Francisco Dalcol*
Com abertura na próxima quarta-feira, no Parque do Ibirapuera, na capital paulista, a 32ª Bienal de São Paulo pretende jogar luz sobre um certo estado de indefinição que marca o momento presente do mundo contemporâneo. Daí o título desta edição, Incerteza viva, que convida o público a refletir sobre as condições atuais da vida e as possibilidades oferecidas pela arte para "abrigar e habitar incertezas".
– Estamos buscando compreender diversidades, olhar para o desconhecido e interrogar aquilo que tomamos como conhecido. Entendemos os diferentes saberes do nosso mundo como complementares e não como excludentes – diz o curador desta edição, o alemão Jochen Volz.
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Junto a ele, a 32ª Bienal de São Paulo tem como cocuradores Gabi Ngcobo (África do Sul), Júlia Rebouças (Brasil), Lars Bang Larsen (Dinamarca) e Sofía Olascoaga (México). A cargo desse grupo, o projeto desta edição investiga, por meio da arte contemporânea, questões como ecologia, cosmologia, destruição, aquecimento global, extinção e destruição de recursos. Foram escolhidos 81 participantes, entre artistas e coletivos de mais de 30 países de vários continentes.
Nessa lista, estão incluídos pelo menos três nomes que nasceram ou têm ligação com o Rio Grande do Sul: Cristiano Lenhardt, Luiz Roque e Jorge Menna Barreto. Sem estragar a surpresa dos projetos que o trio prepara especialmente para esta edição da Bienal, eles contam um pouco do que apresentarão na mostra, que seguirá aberta a visitação do público até o dia 11 de dezembro.
*Jornalista e crítico de arte
A DANÇA DA TRANÇA
Integrante da geração de alunos do Torreão, em Porto Alegre, no começo dos anos 2000, Cristiano Lenhardt hoje vive em Recife. Para a 32ª Bienal de São Paulo, prepara dois trabalhos. Um deles é a performance Uma coluna, que será apresentada na abertura. Inspirando-se na tradição da dança do pau-de-fitas, o artista escolheu uma coluna do pavilhão da Bienal no Parque do Ibirapuera com a ideia de que a estrutura seja “trançada” por 60 pessoas, de modo a configurar uma coreografia durante o “ato de trançar”:– É a primeira vez que trabalho com tanta gente, e o modo como tudo está se desenhando é bem orgânico. O sentido geral está na minha cabeça, mas (o resultado) será incerto.O outro trabalho é um conjunto de esculturas intitulado Trair a espécie.– São esculturas de cará, com formas híbridas entre o humano e o animal – adianta o artista.
UMA OBRA-RESTAURANTE
Artista e professor que vive no Rio de Janeiro, Jorge Menna Barreto se dedica a uma reflexão sobre as práticas site-specific em arte (aquelas que partem ou levam em conta o espaço onde se realizam). Em seu pós-doutorado, o artista investigou relações entre agroecologia e trabalhos site-specific. Vem daí o link com o projeto que ele apresentará na Bienal de São Paulo. Chamado Restauro, o trabalho consiste em um restaurante no pavilhão da Bienal cuja alimentação será baseada em plantas. O espaço funcionará durante os horários de visitação da Bienal.– Estou chamando a proposta de “escultura ambiental”. Relacionando hábitos alimentares e impacto ambiental, a obra propõe imaginarmos o nosso sistema digestivo enquanto ferramenta escultórica que tem o poder de moldar e regenerar a paisagem na qual vivemos. Para isso, teremos uma cardápio que prioriza o reino vegetal e produtos agroflorestais. Parece ambicioso, mas Restauro se endereça ao modo como a sociedade contemporânea vem degradando o ambiente a partir dos seus hábitos alimentares – explica.
TRANSFICÇÃO CIENTÍFICA
Radicado em São Paulo, Luiz Roque apresentou na 9ª Bienal do Mercosul, em 2013, Ano branco, um de seus filmes que versam sobre questões de transidentidade e transgênero a partir da invenção de universos ficcionais que embaralham climas retrô e futurista. Heaven, o filme que apresentará na 32ª Bienal de São Paulo, é uma sequência. A história se passa em 2080 e trata de uma nova doença contagiosa que se transmite via saliva e atinge principalmente a comunidade trans.– Heaven se passa em um futuro meio distópico e fala de questões de gênero e transexualidade. E sobre como o aparato de governo lida com corpos não normatizados, que não seguem padrões.Sobre a relação de seu filme com a temática desta edição da Bienal de São Paulo, Luiz Roque comenta:– Se você pensar que a média de vida de uma travesti é de 30 anos de idade, o fato de existir travestis mais velhas é a própria incerteza viva.