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Falta pouco tempo para o reencontro da cidade de Osório com um dos personagens da maior tragédia da história do município e uma das mais importantes do RS: o barco Bento Gonçalves, que naufragou na Lagoa da Pinguela, há quase 75 anos, deixando 18 mortos.
O desastre ocorreu na tarde fria e ventosa de 20 de setembro de 1947, um sábado, quando um grupo de 20 osorienses se deslocava de Osório para o, então, distrito de Maquiné para participar de um comício da União Democrática Nacional em plena campanha eleitoral. Como era comum na época, o meio de transporte eram embarcações que cortavam as águas das lagoas da região, todas interligadas até Torres. O vapor Bento Gonçalves, com uma caldeira a lenha, saiu do cais da Lagoa do Marcelino, que ficava junto ao bairro Porto Lacustre, passou pela Lagoa do Peixoto e, por um canal em meio aos juncos, acessou a Lagoa da Pinguela. No meio do estuário, foi adernado pelo forte vento e naufragou.
Vestindo casacos grossos para se proteger do frio, os 20 homens foram ao fundo, vencidos pelo peso das roupas molhadas, e 18 deles morreram. Dois sobreviveram: João da Costa Vilar, o João Clemente, que nadou até a margem na localidade do Palmital, e Alzemiro Viana Negreiros, que buscou refúgio dentro da chaminé do barco e teve as costas queimadas pelo calor do metal até ser socorrido só no dia seguinte. Entre os mortos estavam Osvaldo Bastos, deputado constituinte de 1946, e Cândido Osório da Rosa, prefeito de Osório entre 1937 e 1942 e candidato a prefeito na eleição daquele ano.
Uma carta enviada pelo então estudante da Escola Técnica de Agricultura (ETA) de Viamão, Edwin Bach (in memoriam), à família, em Osório, mostra a angústia que tomou conta da comunidade numa época em que as informações andavam em ritmo bem diferente do oferecido hoje — pela rapidez da internet e pela instantaneidade das redes sociais. Manuscrita e datada do dia 23 — ou seja, três dias depois da tragédia —, a carta do jovem pede à família que confirme se o pai, o fotógrafo Carlos Bach, não estava no barco, "pois sempre era convidado para tirar retrato nos comícios". Edwin explica que já conversou com uma tia, na Capital, a qual garantiu que o pai não estava na embarcação e que não encontrou o nome de Carlos na lista de mortos publicada na imprensa. Mesmo assim, a carta termina com um pedido: "Quero que o pai me escreva algumas linhas para eu ficar certo de que nada aconteceu mesmo". O fotógrafo pretendia, sim, ir ao comício, mas foi salvo pelo destino: na última hora, cedeu seu lugar na comitiva osoriense a um correligionário.
O Bento Gonçalves era um pequeno barco a vapor de 14,8 metros de comprimento por 2,85 metros de largura, que navegava a 12 km/h, impulsionado por um motor de 44 HP. Pertencia ao Serviço de Transporte entre Palmares do Sul a Torres (STPT) e operava desde janeiro de 1929 na região. Depois de retirado do fundo da Lagoa da Pinguela com a ajuda de uma chata, foi recuperado e voltou a operar em portos do estuário do Guaíba. Manteve a estrutura, ganhou um motor moderno e hoje é utilizado como um rebocador para barcos de pequeno porte, dando apoio aos navegantes do Guaíba.
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Atualmente, está operando em Porto Alegre, mas seu próximo destino deverá ser Osório. O prefeito de Osório, Roger Caputti, e uma comitiva do município já se reuniu com a direção da Portos RS (empresa pública responsável pelo sistema hidroportuário do Estado), e foi acertado que, superados alguns trâmites burocráticos — o que deve ocorrer em breve —, o Bento Gonçalves será entregue ao município.
A ideia da prefeitura é aposentá-lo e preservá-lo para visitação pública em uma área do parque que foi criado junto à Lagoa do Marcelino, exatamente onde ficava o cais que foi o ponto de partida para a mais trágica viagem da história de Osório.
Colaborou Alexandre Bach