Nesta sexta-feira (24), faz oito anos que Bob Dylan se apresentou no Pepsi on Stage, na Capital. Nada mais justo do que entregar o espaço da coluna para Eduardo (Peninha) Bueno. Afinal, de Bob Dylan, ele sabe tudo e diz:
“O incomensurável Bob Dylan – único sujeito que ganhou o Oscar, o Grammy, o Pulitzer e o Nobel – já esteve três vezes em Porto Alegre. As três tiveram grande impacto na minha vida. Na primeira, em 14 agosto de 1991, desembarquei junto com ele, vindo de Montevidéu, e, no dia seguinte, fomos ao Mercado Público comer salada de frutas com nata e, à noite, antes do show, apresentei-lhe a senhora minha mãe.
Em 9 de abril de 1998, não falei com ele, mas cedi a poltrona na qual ele sentou no camarim do Bar Opinião, antes do memorável show daquela noite. Mas o encontro mais mágico deu-se no dia 23 de abril de 2008, no Parcão. Mas como nesse fui mero (mas privilegiado) coadjuvante, passo a palavra para minha mulher, a escritora Paula Taitelbaum, para que ela, de forma inédita, compartilhe com os leitores do Almanaque Gaúcho o que aconteceu naquela noite inesquecível. Fala, Paula.”
“Vinte e três de abril é dia de Shakespeare, Cervantes, São Jorge. Dia Mundial do Livro. Mas nada disso importa. Vinte e três de abril é o dia em que, há exatos 51 anos, Bob Dylan fez seu primeiro show pago, abrindo para John Lee Hooker no Gerde’s Folk City, em Nova York. E mais do que isso: é o dia em que nasceu Clara, minha filha. Ou seja: ontem ela fez 19 anos.
Em 2012, quando estava fazendo 11 anos, tocava ‘Knock, knock, knockin on heaven’s door’ ao violão e encontrava Dylan todo dia de manhã ao sair do quarto. Um retrato, numa tela do artista Oscar Fortunato, há anos está pendurada na parede do corredor diante da sua porta. Clara sabia que o bardo estava na cidade, em um hotel próximo de nossa casa. Talvez por isso, então, repetia sem cessar: ‘Queria tanto encontrar o Bob Dylan no dia do meu aniversário’. Nessa noite, para celebrar a data, saímos em família para jantar fora. Ela insistia à exaustão, convencida de que o encontro era realmente possível. Lá pelas 22h, deixamos o restaurante e, já no rumo de casa, resolvemos fazer um caminho mais longo só para, quem sabe, tropeçar sem querer com Dylan rolando como uma pedra pelas ruas de Porto Alegre. Vá que Clara tivesse razão.
O carro ia devagar, olhávamos atentos para as ruas vazias de uma segunda-feira fria. Procurávamos uma figura magra, pequena, provavelmente de touca preta e jaqueta de couro. Nada. Sugeri que virássemos na rua ao lado do Parcão. Súbito, vimos, sob a penumbra das árvores, duas pessoas andando bem devagar. ‘É ele!’, gritou Eduardo. E parou o carro. E era ele. Ele! O cara que escreveu Like a Rolling Stone e tanto tanto tanto mais. Que habita nossas paredes, nossas estantes, nossos corações e mentes, o próprio ar que respiramos com sua música.
Não havia dúvida, era ele. Bob e uma mulher caminhavam conversando. Amigos falando sobre a vida, sei lá… Together in the park, with the sky already dark. I looked at him and felt a spark, tingle to my bones: meu coração disparou, e eu tremia inteira. Clara saltou do carro. Fomos em direção a ele. Clara e eu. Eduardo ficou mais atrás, não queria atrapalhar o momento. Ao ver Clara, Dylan sorriu com os olhos. Uma criança faz toda a diferença. ‘Hi Bob. I´m very nervous’, disse eu (isso é coisa que se diga!). ‘Is her birthday’, falei, apontando para ela. Ele abriu um sorriso gentil: ‘Oh, it´s your birthday! Happy birthday’. Então Clara tirou um bilhete da bolsa e ofereceu a ele. Ninguém sabia que ela tinha feito.
Estava escrito e desenhado com um coração: ‘I love Bob. From Clara / To Bob Dylan’. Ele pegou o bilhete, sorriu ainda mais, apertando os olhos finos de um azul capaz de iluminar a noite. Apontou para o tênis dela com os cadarços desatados e disse: ‘You will stumble. Tie up your shoes’ (você vai tropeçar, amarre seu sapato). Clara bend down to top the laces of her shoes. Então, ele ergueu o bilhete, sacudiu-o no ar e o apontou em direção a ela, deixando claro que iria guardá-lo. Agradeci e disse ‘See you tomorrow’ (but ‘tomorrow is a long time’, eu deveria ter emendado).
Seguiram seu caminho. Eu tremia e chorava. Clara pulava. Na cama, antes de dormir, ela disse ‘Que velhinho mais querido’. Sim, sim, o velhinho mais jovem que eu já vi na vida. Forever Young and still on the road, after all these years. Nunca vamos nos esquecer desse 23 de abril. Never gonna be the same again.”