Em 1939, trabalhando na Editora Globo, já romancista de renome em todo o país, Erico Verissimo foi protagonista de um episódio curioso. Abdias Silva, que viria a se tornar um jornalista conhecido em Porto Alegre, vivia em Teresina, sua cidade natal. Rapaz pobre, mas estudioso, sonhava conhecer centros maiores.
Leitor dos livros de Erico, Abdias decide escrever para o autor, expondo seu currículo, suas habilidades e solicitando uma chance para trabalhar no Sul, ele que já tinha experiência em jornal. O escritor sensibilizou-se com a carta e respondeu que ele poderia vir. Abdias, entusiasmado, conseguiu dinheiro com parentes e amigos. Comprou uma passagem de trem até São Luís, no Maranhão, onde pegou um navio. Levou 30 dias para chegar ao destino.
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Na capital gaúcha, deixou a pequena mala no porto e foi direto para a Livraria do Globo, na Rua da Praia. Na antessala do gabinete de Erico, o ansioso Abdias aguardou sentado por muito tempo, já que o escritor não fora comunicado da sua presença. Só na hora de encerrar o expediente é que alguém o avisou de que havia uma pessoa a sua espera. Erico, que estava cortando o cabelo, o recebeu de forma amistosa:
– Às suas ordens, meu jovem!
– Eu sou o Abdias – respondeu o visitante.
– E daí? – indagou o romancista, que nem se lembrava mais daquele nome e da troca de correspondência.
No dia seguinte, Abdias já começou a trabalhar, não redigindo textos para a editora ou para a Revista do Globo, como esperava. Sua primeira tarefa foi empurrar um carrinho cheio de clichês. Só mais tarde foi promovido a revisor e teve até a oportunidade de ajudar em alguma tradução. Acabou chegando à revista como repórter. Anos depois, passou para a Folha da Tarde, depois para a sucursal do Jornal do Brasil. Seus últimos anos de vida, sempre como jornalista, foram em Brasília, onde morreu, em 2006.
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Consta que certo dia, na Editora Globo, quando um dos Bertaso fora informado de que o estranho novato era natural do Piauí, quis saber de Erico por que resolvera dar emprego para aquele sujeito miúdo e moreno, vindo de tão longe. O escritor teria então respondido, com seu humor característico:
– Conheço gente de muitos lugares do Brasil e do Exterior, só me faltava ver de perto como era a cara de um piauiense...