Uma foto do bondinho do Pão de Açúcar provocou debate nas redes sociais nesta semana. No final de outubro, o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS) publicou uma chamada para um programa de seleção de pesquisadores. Para ilustrar, a organização sem fins lucrativos utilizou uma foto do ponto turístico em uma postagem no Instagram.
Na primeira semana de dezembro, no entanto, o ITS foi surpreendido com uma notificação extrajudicial por parte dos administradores do Parque Bondinho Pão de Açúcar. Na ação, eles pediram que o instituto removesse a publicação, com a justificativa de que estariam obtendo “vantagem comercial indevida”, com o “aproveitamento parasitário e enriquecimento sem causa”, além de praticar ato de “concorrência desleal” e atividade publicitária de “emboscada”.
O que os administradores afirmam
Conforme informações do g1, na ação movida contra o ITS, os administradores dizem que a utilização de fotos relacionadas ao local precisam de autorização e, caso isso não ocorra, há riscos de prejuízos por uso inadequado de imagem. No documento de cinco páginas, os advogados afirmam que as empresas Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar e Pão de Açúcar Empreendimentos Turísticos são as únicas que possuem os direitos de exploração da imagem comercial do parque.
Além do pedido para a exclusão da publicação, as empresas também exigem a assinatura de um termo de compromisso que impede o ITS de usar, sem autorização prévia, qualquer imagem e ativo de propriedade intelectual do parque.
Em resposta, o ITS afirma, em texto publicado em um de seus canais oficiais, que o "sistema teleférico do Parque Bondinho do Pão de Açúcar é uma estrutura física de inegável importância turística. Contudo, por se tratar de estrutura física utilitária (o bondinho é um meio de transporte), não é passível de proteção, por exemplo, por direitos autorais".
O instituto questiona se a proibição também seria aplicada aos registros publicados por turistas e até mesmo por influenciadores digitais, que monetizam através de publicações nas redes sociais. “Com a publicação deste texto, o ITS Rio espera contribuir com a indicação de fundamentos que revelam o abuso das empresas notificantes. Já estamos tomando as devidas providências para evitar que prosperem práticas abusivas como essa”, finaliza o texto.
Prefeito do Rio critica notificação
O caso repercutiu nas redes sociais quando o advogado especializado em tecnologia, Ronaldo Lemos, fez uma publicação criticando a ação. Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, compartilhou a publicação e se manifestou sobre em seu perfil no X (antigo Twitter). Ele criticou a notificação do Parque. "Que absurdo. Vou começar a cobrar royalties desses caras também", escreveu.
Após críticas negativas no debate nas redes sociais, os administradores do Parque Bondinho Pão de Açúcar se manifestaram. Em comunicado, eles afirmam que a notificação não exprimiu corretamente a intenção da empresa e lamenta o "mal-entendido".
De acordo com a nota, experiências negativas anteriores com empresas que utilizaram as imagens de maneira indevida, provocaram a criação de processos para evitar exposição a situações semelhantes, mas reforça que não restringe a utilização da imagem do ponto turístico.
"A empresa reforça que em nenhum momento restringe a utilização da imagem do monumento dos Morros do Pão de Açúcar e da Urca, muito menos da paisagem do Rio de Janeiro. A notificação encaminhada para o Instituto na semana passada teve como proposta esclarecer as regras de uso de imagem, que têm como único objetivo a preservação da marca do Parque que, há 111 anos, atua em prol do Rio de Janeiro", diz a nota.
Nesta quarta-feira (13), o ITS fez outra publicação no Instagram utilizando a imagem do local, mas, dessa vez, para explicar o ocorrido para os seus seguidores. "Para você que acha que pegou o bonde andando, vem com a gente que vamos tentar explicar essa história que parece não ter pé nem cabeça", brincam na legenda.
O que diz a lei
Danniel Rodrigues, advogado especialista em Propriedade Intelectual, explica que os turistas que forem ao Rio de Janeiro não precisam se preocupar com autorização para os registros do Pão de Açúcar ou de outras paisagens naturais. Segundo ele, pessoas que publicarem fotos do ponto turístico sem a intenção comercial ou lucrativa não necessitam de autorização, ou se afligir com eventuais processos jurídicos.
Porém, é preciso entender que as regras são diferentes para quem utiliza as imagens com o intuito comercial. Se uma empresa ou até mesmo um influenciador digital, por exemplo, utilizar as imagens para fins comerciais, a autorização é necessária.
Mas o entendimento é diferente no caso do ITS, ainda que seja um instituto e não uma pessoa física. Segundo Danniel, as interpretações sobre o direito autoral variam muito de acordo com cada caso. Para o advogado, a foto mostra um local público, e tem a intenção de mostrar a paisagem em geral, não apenas o bondinho.
Caso o instituto utilizasse imagens internas do bondinho ou até mesmo de locais em que há sinalização da proibição de fotos, como uma exposição em museu, por exemplo, a autorização do uso das imagens seria necessária.
— A principal questão diz respeito ao fato dessa fotografia ter sido utilizada com o intuito de mostrar os morros, uma paisagem natural, ainda que bondinho seja privado, limita um pouco essa alegação de direito autoral, por esse local ser público — explica.
Além disso, ele reforça a alegação do texto do ITS de que o sistema teleférico do Parque Bondinho do Pão de Açúcar se trata de estrutura física utilitária e não é passível de proteção por direitos autorais.
Letícia Provedel, advogada especialista em propriedade intelectual, afirma que, caso os administradores optassem pela abertura de um processo jurídico, teriam que provar que a imagem foi utilizada para fins comerciais.
— Eles teriam que demonstrar que tem direitos sobre a obra arquitetônica, por exemplo, e que estaria havendo um aproveitamento comercial indevido, uma tese difícil quando se trata de um ícone [como o Pão de Açúcar] — explica a advogada.
*Produção: Giovanna Batista