O cenário marcante e característico do Vale do Taquari ganhou um ingrediente especial no fim de semana. O primeiro de oito passeios de trem entre Guaporé e Muçum foi realizado na manhã do último sábado. Nem mesmo o dia chuvoso na região tirou o ânimo das cerca de 500 pessoas que participaram da primeira leva.
Pleito antigo de moradores, empresários, prefeituras e promotores do turismo na região, a incursão marcada por túneis, viadutos, vales e vestígios da vida no campo deu o pontapé em uma série que terminará no próximo final de semana com mais quatro viagens.
Percorrendo 46 quilômetros, o trem movido a diesel se juntou à paisagem que circunda a Ferrovia do Trigo, cruzando também os municípios de Vespasiano Corrêa e Dois Lajeados.
Moradores dos vales e de outras localidades, como a Região Metropolitana, desfrutaram do trajeto, sentindo o embalo, os sons e a sensação de viagem tranquila e contemplativa, elementos tradicionais de um transporte via trem à moda antiga, durante duas horas e 30 minutos.
Carla Beninca, 40 anos, o marido, Amadeu Beninca, 42 anos, e os filhos Matteo, 11 anos, e Lorenzo, cinco anos, estavam entre as pessoas que se aglomeravam na Estação Ferroviária de Guaporé, na espera pela locomotiva, no início da manhã de sábado. A família não escondia a expectativa pelo início do passeio.
— Todo mundo estava bem ansioso, aguardando a semana inteira. Temos até familiares de Santa Catarina que vieram para participar — relatou Carla.
No fim do passeio, GaúchaZH reencontrou a família Beninca sorridente, aguardando o desembarque. Carla resumiu que o passeio foi “muito bom”. A visão das paisagens era interrompida em alguns momentos durante as passagens da máquina pelos túneis. Após poucos minutos marcados pela escuridão, o breu era quebrado por um novo cenário, com suas particularidades e belezas naturais em meio a pequenas propriedades, ocupadas por produtores e animais, que do alto pareciam miniaturas em meio aos vales. Pessoas abanando para os ocupantes dos 17 vagões que cruzavam a ferrovia era uma cena que se repetia quase como regra.
Programado para começar às 9h, o passeio inaugural saiu da estação uma hora e 45 minutos depois em razão de um problema em um trem de carga na ferrovia. O atraso gerou certa impaciência em parte dos passageiros, que logo foi deixada de lado com o sinal sonoro do imponente trem e o deslizar das rodas dos vagões pelos trilhos.
A bordo de uma locomotiva modelo G12, da General Motors (GM), os passageiros contemplaram pontos turísticos clássicos da região, como o famoso Viaduto 13, o maior das Américas (ferroviário), medindo 143 metros de altura e 509 de extensão. Pessoas olhando para baixo, impressionadas com a altitude, gritando e tirando fotos marcaram esse trecho.
Outro ponto alto do passeio é a parada da locomotiva no Viaduto da Mula Preta. Com 98 metros de altura e 360 metros de comprimento, a estrutura chamou a atenção dos turistas, que demonstravam uma mescla de fascínio pela paisagem e apreensão pelo tamanho da ponte.
No meio do passeio, o aguaceiro que banhava o Vale do Taquari desde a madrugada de sábado deu uma trégua, limpando a visão dos vales, marcados por uma camada de neblina que dava um toque de charme na paisagem.
Com o filho de apenas três anos no colo, o gestor de compras Ismael Moresco, 36 anos, conseguiu realizar o desejo de percorrer via trem pontos que ele já conhecia desde a infância.
— Para mim, é uma emoção muito grande, porque a gente mora aqui na cidade de Anta Gorda, que fica próxima. Conheço a ferrovia, caminhei aqui no Viaduto 13 e sempre quis fazer esse trajeto de trem. Foi bastante emocionante. A paisagem é maravilhosa — descreveu Moresco.
Tímido, o pequeno Mathias repetia junto do pai os destaques da viagem:
— Plantas, túneis, árvores, pontes e rios.
Em cada um dos 13 vagões reservados aos passageiros, um guia auxiliava os ocupantes. Suvenires e produtos clássicos da região, como uma erva-mate fabricada em um município do entorno, eram distribuídos durante o trajeto.
Coordenador do projeto Trem dos Vales, Rafael Fontana comemora a realização de um sonho de 20 anos, destacando que essa ação faz parte de um evento comemorativo que pode abrir as portas para um passeio maior — até Estrela — e com maior frequência, a partir de 2021. Fontana deixou claro que esse horizonte poderá ser alcançado, dependendo do retorno das viagens experimentais. O coordenador lembrou que o passeio também visa, além da contemplação da paisagem local, valorizar a atuação dos homens que trabalharam para colocar de pé a Ferrovia do Trigo:
— Esse passeio é para valorizar as belezas naturais da nossa região e também fazer uma valorização das obras que foram construídas nas décadas de 1960 e 1970 por milhares de homens que fizeram arte em túneis e viadutos que ainda hoje são pontos de visitação, que recebem pessoas do Brasil todo, como é o caso do Viaduto 13.
A iniciativa é uma parceria entre a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), a Associação dos Municípios de Turismo da Região dos Vales (Amturvales) e a Rumo Logística, com o apoio de prefeituras da região. Presidente da Amturvales, Leandro Arenhart também comemorou a saída do projeto do papel.
— O anseio que a comunidade tinha em ver esse trem funcionando está acabando. A viagem é surpreendente. Um suspiro a cada saída de túnel — pontuou.
Trilhas revividas em meio aos vagões
Os namorados Yanna Luceno, 21 anos, e Daniel Rockenbach, 22 anos, moradores de Lajeado, não escondiam o entusiasmo de redescobrir locais já percorridos em trilhas a pé por meio de outra perspectiva.
— Nós já viemos para essa região mais de cinco vezes. Como já tínhamos essa noção do que observar, com o trem, a gente conseguiu ter uma visão da janela, né? Como se fosse um passeio no qual estamos voltando no passado — disse Rockenbach.
— É incrível ver a paisagem, principalmente, a do Mula Preta, que eu estava esperando muito para ver. A gente ainda não teve a oportunidade de passar por ele caminhando, mas temos a intenção de fazer em breve um trekking nesse local. É incrível, é lindo demais — afirmou Yanna.
Um segundo passeio foi realizado ainda no sábado, fazendo o caminho inverso, de Muçum a Guaporé. No domingo, outras duas viagens foram repetidas nos mesmos moldes (confira a programação abaixo). O evento faz parte de uma série turística no Estado que também prevê roteiros experimentais em municípios das Missões e em Vacaria.
Trem dos Vales
- 31 de agosto e 1º, 7 e 8 de setembro (oito passeios) - Esgotado
- Trem dos Vales — Guaporé a Muçum (e volta). Pela manhã, às 9h, o trem sai de Guaporé e vai para Muçum. De Muçum, ele volta para Guaporé às 14h. A duração do percurso de 46 quilômetros (por trecho) é de duas horas e 30 minutos.
- Informações: neste site e telefone (51) 3751-3777.