O cálido sol de verão moscovita brilhava ainda sobre os telhados, quando nosso ansioso grupo de 15 turistas gaúchos deu início a uma viagem de milhares de quilômetros até chegar à capital da Mongólia. O trem que nos aguardava no terminal Ya- roslavsky iria nos levar por magníficas paisagens da Rússia, da Sibéria e da Mongólia, em um roteiro em que se misturavam expectativas e sensações das mais diversas. A companhia inglesa Golden Eagle recebeu-nos com champanha e banda de música, enquanto seguíamos os guias até os 21 vagões, onde atendentes tinham estendido tapetes vermelhos à nossa chegada.
Foi assim que a jornada de sete fusos horários e perto de 6,4 mil quilômetros começou. Nosso grupo brasileiro juntava-se a outros, ingleses, australianos, norte-americanos, franceses, escoceses, italianos, mexicanos e espanhóis, de diversas idades. A bordo, viajava também um médico, cuidado imprescindível a uma viagem dessa natureza. Na primeira noite, nos familiarizamos com as cabines, os vagões-restaurantes e o piano-bar, onde um pianista entretinha os ouvintes com impecáveis execuções. Mais tarde, ao final das refeições de nível internacional, podíamos acompanhar também os suaves murmúrios de uma harpa, no vagão-restaurante.
A Mesquita Qol-Sarif, em Kazan, foi uma das atrações visitadas
Foto: Алексей Усачев /www.depositphotos.com
Na Sibéria, sem gelo e com muito verde
Os quase 800 quilômetros que separam Moscou de Kazan, capital do Tartaristão, foram vencidos ao ritmo embalador do trem que, na manhã seguinte, estacionou o tempo necessário para que visitássemos as belezas desta cidade: o Kremlin Branco, a Mesquita Qol-Sarif, a Catedral da Anunciação.
Prosseguimos, durante a noite seguinte, até a cidade de Ekaterimburgo, que se notabilizou por ter sido o local onde os últimos Romanov foram executados, em 1918. Depois de visitarmos a Catedral do Sangue Derramado, memorial aos Romanov, fomos a oeste da cidade, onde um obelisco marca a linha que divide a Europa da Ásia.
De volta ao Golden Eagle, retomamos a etapa de 1.525 quilômetros até Novosibirsk, na Sibéria Ocidental, e adiantamos o relógio uma hora. Chegamos, então, à Sibéria, terra que costumamos imaginar coberta de gelo, misteriosa e inóspita. Mas era verão, e a paisagem que se divisa pela janela é a verde taiga, repleta de coníferas (abetos) e bétulas, estendendo-se pela solidão sem fim da estepe siberiana.
Nesta que é a terceira maior cidade da Rússia, uma impressionante escultura de Lênin domina a praça que traz seu nome. Visitamos o museu mineralógico, onde pudemos apreciar a riqueza do solo russo, bem como algumas pedras brasileiras.
No dia seguinte, permanecemos no trem, observando a paisagem, os distantes povoados e os rios volumosos que atravessam a região. Vejo pântanos, linhas de força e luz e telégrafo, estradas de terra. Sem cercas ou animais. Não há largas plantações, só numerosas hortas, muitas com estufas. Nossa guia russa, Elena, que fala um português impecável, nos diz, então, que as plantações mais extensas encontram-se no interior dos terrenos.
O impressionante Lago Baikal
A Europa já está distante, e o nosso comboio engole as distâncias da Ásia, na ânsia de chegar àquela que é chamada de Paris da Sibéria. Adiantamos o relógio outra vez e descemos, depois de um dia inteiro a bordo, na estação da cidade de Irkutsk. Aqui é famoso no mercado o caviar. Um concerto lírico nos esperava no museu dedicado aos implicados no levante contra o czar, em 1825, os dezembristas, principais responsáveis pelo extraordinário desenvolvimento cultural de Irkutsk.
A viagem está adiantada e, depois de deixarmos Irkutsk, é chegado o momento mais desejado. Conhecer e visitar o Lago Baikal, o maior lago de água doce e o mais profundo: ele contém 20% da água doce do mundo, com a profundidade de 1.620 metros. Assim que chegamos à estação Sludyanka, fomos brindados com um gostinho de aventura: divididos em pequenos grupos, pudemos subir à locomotiva, enquanto o trem, em baixa velocidade, contornava um trecho do Baikal. Foi incrível! Em Port Baikal, fizemos um pedaço da travessia, enquanto o barco deixava um rastro de espuma nas águas azuis do lago.
Na Mongólia, o fim
Quando chegamos, no dia seguinte, à cidade de Ulan-Ude, capital da República da Buryatia, já haviam sido percorridos 6.440 quilômetros e atravessados cinco fusos horários. A uns 70 quilômetros dali, visitamos uma aldeia que preserva cuidadosamente os princípios religiosos e as tradições dos chamados "cristãos antigos ortodoxos". Na noite deste dia, chegamos à fronteira da Mongólia e, durante algumas horas, realizamos os requisitos alfandegários, sem necessidade de descer a terra.
Nossa etapa na ferrovia transiberiana está chegando ao fim. Pela manhã, estaremos em Ullaanbaatar, onde nos despediremos dos outros turistas e da tripulação que, tão gentilmente, recebeu-nos e que se esforçou ao máximo para que tudo corresse dentro da maior tranquilidade. Seguirão seu rumo na direção de Vladivostok, o porto russo do Pacífico. Nós, os brasileiros pioneiros dessa viagem inesquecível, desceremos aqui, na capital da Mongólia, para mais três dias, visitando templos budistas, tendas nômades e seus habitantes, parques naturais e museus. Onze horas de fuso nos separam do Brasil. Mas o sonho de ter percorrido a mais longa travessia férrea do mundo ficará impresso em nossos olhos e corações deslumbrados!
Dicas de trem
Gaúchos viajam pela mais longa travessia férrea do mundo
Professora conta os detalhes da viagem do grupo pela Mongólia, Rússia, Sibéria em um roteiro em que se misturavam expectativas e sensações das mais diversas
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