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Do chocolatão aos lanches no centrinhos, o litoral norte do Rio Grande do Sul tem suas próprias características. Planeta Atlântida, pesca colaborativa e até fantasma... as praias do RS têm seus mistérios. Você sabe quais são?
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O porquê do chocolatão
Quem fica no Rio Grande do Sul, costuma reclamar da (baixa) temperatura da água, da sua cor (que rendeu o apelido de "chocolatão") e do remelexo, devido à frequência e à força das ondas.
Para explicar por que o nosso mar é dessa forma, ouvimos Ignácio Moreno, professor de Zoologia da UFRGS e diretor-substituto do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar).
Água gelada: a temperatura do mar do RS é influenciada principalmente por duas correntes marinhas: a Corrente das Malvinas, oriunda das regiões polares, portanto com águas frias, e a Corrente do Brasil, que vem da região equatorial e é bem mais quente. Elas se encontram justamente na costa gaúcha, catarinense e uruguaia. No inverno, com as frentes frias e polares, a que vem do Sul ganha força e acaba vencendo a "briga das correntes". Assim, a água costuma ficar entre 14°C e 16°C.
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No verão acontece o inverso, e a temperatura sobe e até ultrapassa os 25°C. Ainda assim, a corrente fria continua influenciando e mais do no mar catarinense, por exemplo, pois quanto mais ao Norte, menos força tem a corrente das Malvinas.
Para afastar ainda mais os friorentos, o litoral gaúcho é retilíneo, ou seja, é uma linha de 622 quilômetros em que não há baías, morros ou penínsulas. Com isso, como não há "empecilhos", os ventos têm influência muito forte e podem mudar o mar de uma hora para a outra - inclusive, esfriando-o.
Chocolatão: os principais motivos que escurecem o mar gaúcho e que lhe renderam o incômodo apelido de "chocolatão" são: o deságue dos rios Mampituba e Tramandaí no mar e o aporte subterrâneo das lagoas costeiras, levando matéria orgânica e aumentando a proliferação de algas, que dão aspecto marrom e feio para a água salgada.
Turbulência e muitas ondas em sequência: as ondas se formam por causa do vento e vão "quebrando" à medida que a profundidade reduz. Como no litoral gaúcho há muito vento e nenhuma "barreira" (como baías, morros ou penínsulas), o vai-e-vem da água fica mais intenso, e o mar fica turvo.
Muito repuxo: "O mar tem um ciclo, a água que vem, tem que voltar", explica Moreno. É essa "volta" que chamamos de repuxo. Ela fica mais forte nas chamadas "correntes de retorno" ou "canais", muito conhecidos por surfistas, pois é nesses pontos da praia que eles adentram o mar, já que a onda que quebrou está voltando para o fundo e fica mais rápido de chegar lá.
Muitos buracos e bancos de areia: mais uma vez, é uma característica da dinâmica da região, com poucas baías, rochas, e fortes ventos. Como eles vêm de Norte, Sul, Noroeste, Sudeste, etc., acabam remexendo muito o mar e, consequentemente, alteram o fundo arenoso também.
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Sem paisagens paradisíacas, como matas e coqueiros: o motivo deve-se à maneira como a nossa costa foi formada, mas também tem influência humana. Devido às transgressões e regressões marinhas, ou seja, o aumento e a diminuição do nível do mar, foram criadas características únicas na região.
Há 5 mil anos, o nível do mar era cinco metros mais alto do que é hoje e atingia toda a encosta da Serra (a região que vai de Osório a Tramandaí, por exemplo, estava embaixo d´água). Aqui predominou uma formação chamada de restinga e as vegetações que se adaptam a ela são espécies mais rasteiras, pois resistem à salinidade e ao vento da região.
Fora isso, houve a devastação das florestas nativas para exploração da madeira e retirada das dunas para calçadões e prédios. Essas dunas servem (ou serviam) de proteção para todo o ecossistema. Como essa proteção natural foi retirada, além de prejudicar animais e plantas, abriu-se espaço para o vento levar sujeira e maresia, causando danos aos imóveis.
"Se tivessem deixado as dunas frontais e a vegetação associada, toda a manutenção dos imóveis à beira da praia, bem como o manejo de toda a areia que invade calçadões sairia muito mais barato para moradores, veranistas e prefeituras", alerta o professor.
Uma saída, aponta Moreno, seria a construção de passarelas sobre as dunas, para preservar espécies ameaçadas de extinção que convivem lado a lado com turistas e moradores, como o tuco-tuco e a lagartixa-das-dunas.
Muitos animais, como mãe d´água, baleia, golfinhos e pinguins: esse pode não ser um aspecto negativo, dependendo de como se enxerga.
Segundo o zoólogo da UFRGS e pesquisador do Ceclimar, a costa gaúcha tem uma das maiores diversidades de animais marinhos do país e é a campeã em espécies de baleias, botos e golfinhos. Isso acontece justamente devido à influência das correntes tropical (do Norte) e polar (do Sul).
Com isso, criam-se condições ideais para diversos animais, inclusive alguns sazonais, como a mãe d'água e o golfinho pintado do Atlântico (que utilizam a região somente no verão) e os pinguins, o lobo marinho e a baleia-franca-do-sul (só no inverno e primavera).