Quem frequenta o litoral norte gaúcho já deve ter visto, ou até mesmo provado, o tradicional abacaxi de Terra de Areia. Conhecido por ser um tipo mais adocicado do fruto tropical, ele costuma ser encontrado em tendas espalhadas pelas praias, seja na beira-mar, nas ruas e avenidas ou em tendas nas estradas. E o clima entre os produtores é de otimismo: há expectativa de uma safra 20% mais produtiva nesta temporada, em comparação com a da temporada de verão passada.
Levar o nome de Terra de Areia na designação dessa qualidade de abacaxi não é por acaso. O município do Litoral Norte é responsável por 90% da produção do fruto em todo o Rio Grande do Sul. A estimativa para a safra atual é de 6 milhões de abacaxis, com uma receita bruta esperada para a cidade em torno de R$ 20 milhões.
O período de colheita ocorre geralmente entre os meses de setembro e maio, com picos entre novembro e janeiro. A avaliação positiva para a safra 2024/25 é resultado de uma produção com menos prejuízos causados por um fungo (Fusarium subglutinans), que causou o apodrecimento de muitos frutos na safra anterior, de 2023/24, após chuvas excessivas no Estado no final de 2023.
Toda a produção está relacionada à agricultura familiar, seja com a família cultivando em sua própria terra ou com mais de uma trabalhando em conjunto em áreas maiores. Dados atualizados da Emater-RS apontam que há 110 famílias com área de 340 hectares em todo o Estado, sendo que em média a metade dessa área plantada se colhe no ano atual.
Uma dessas famílias é a de Tiarles de Melos, 38 anos. Junto da esposa, Legiane de Matos, 41 anos, ele trabalha em sua propriedade no bairro Boa Vista, em Terra de Areia, durante todo o ano para colher os frutos na temporada de veraneio. Depois, ele vende o produto em Capão da Canoa, na carroceria da sua caminhonete.
— Temos essa rotina há anos aqui na praia, onde vendemos o abacaxi direto nas mãos do consumidor, fresquinho, novinho. É uma fruta muito saborosa — afirma.
Do plantio à colheita
O ciclo médio da planta de abacaxi, do plantio até a colheita das frutas e, posteriormente, a colheita das mudas, leva em torno de 30 meses. A partir disso, recomeça o preparo do solo e o plantio.
Apesar da predominância do trabalho familiar, somente três produtores de Terra de Areia cultivam o fruto de maneira orgânica, com cerca de 5 hectares. Ainda assim, boa parte dos defensivos e adubos são aplicados manualmente. O plantio e a colheita também são manuais, enquanto o preparo do solo é mecanizado.
A lida no campo e toda essa rotina minuciosa feita das mãos do produtor não só vem de sangue na vida de Tiarles e Legiane, como também foi o item que aproximou o casal.
— A história vem de geração em geração. Começou com meu avô, passou pelo meu pai e agora estamos nós aqui – explica Tiarles.
Ela complementa:
— Meu pai e minha família também são da agricultura e plantam abacaxi. Nós (ela e o marido) nos conhecemos nesse ramo e já faz oito anos que estamos juntos. Aprendi com o Tiarles a plantar, cuidar, colher e vender.
A longa história dos familiares do casal vai ao encontro da longa trajetória do abacaxi na região do município. De acordo com a Emater, há registros de produção por lá desde os anos 1940.
Amor de quem cultiva
O abacaxi de Terra de Areia é popularmente conhecido por ser uma variedade muito mais doce do que outras, que costumam ter o gosto mais ácido. Conforme os agricultores, o segredo está na forma do cultivo.
Enquanto os tipos importados de outros estados do Nordeste e Sudeste – como o abacaxi pérola, o mais comum nos supermercados – costumam ser colhidos em poucos meses, muitas vezes ainda verdes para que amadureçam durante o transporte, o abacaxi de Terra de Areia pode levar até dois anos para ser colhido. Ou seja, ao mesmo tempo em que a família de Tiarles colhe os frutos desta safra, já há outras áreas plantadas para os anos seguintes.
De forma mais técnica, Legiane explica que é preciso "cuidar da roça” durante esse processo e mantê-la limpa para que o pé possa crescer e se desenvolver. Dessa forma, dará um abacaxi grande e saboroso. Por outro lado, Tiarles traz uma explicação mais passional:
— É o dom, o amor de quem cultiva o abacaxi. Por isso ele é bom, saudável e doce.
Entre os produtores litorâneos, há os que vendem o produto a distribuidoras, cooperativas ou redes de mercados, e aqueles que fazem a venda direta para o público. No caso de Tiarles e Legiane, a escolha foi pela segunda opção. Ela afirma que essa relação com o cliente é uma das principais motivações do casal.
— A gente gosta do que faz. Dá trabalho no calor, na chuva, no frio, mas gostamos, porque quando levamos para a praia, as pessoas compram para levar para longe. É muito conhecido. Uma família compra para três ou quatro outras. É satisfatório. Tem que ter paciência, são dois anos esperando, mas vale a pena – garante a agricultora.
A Emater-RS explica que boa parte dos produtores prefere a venda direta ao consumidor também por questão financeira. Isso porque há possibilidade de até dobrar o valor de venda na comparação do preço que seria pago pela lavoura inteira vendida ao Ceasa, por exemplo.
Dificuldades e auxílio
Como a produção familiar do abacaxi é predominante, há falta de mão de obra. Além disso, as instabilidades climáticas desafiam a cultura, principalmente a geada no período de inverno, quando há risco de perda de toda a plantação.
Já no verão, o perigo é a radiação excessiva do sol, que pode queimar as frutas antes de estarem maduras. Além dos órgãos executivos, a Emater-RS ressalta que trabalha no auxílio da comercialização ao encaminhar os produtores para feiras, pontos de venda, mercados e Ceasa.
— Estamos presentes no dia a dia das famílias de maneira direta e indireta. Todos os projetos técnicos são feitos por mim para os produtores obterem custeio agrícola nos agentes financeiros, para realizar os plantios das lavouras. No ano passado, por exemplo, fizemos um projeto de investimento em que uma família adquiriu o primeiro drone do município para banhar suas lavouras — informa Micael Machado, técnico agrícola do escritório da Emater em Terra de Areia.