Dentro de uma compacta embarcação, o alemão André Czinna, 45 anos, desliza pelas águas do mundo todo em uma volta ao globo sem roteiro fixo. O trajeto começou em 2016, depois dele sair do emprego e vender o carro. Desde então, leva consigo apenas o que considera de primeira necessidade: uma bicicleta, equipamentos de mergulho e para comunicação, mantimentos, ferramentas e vara para pesca em alto-mar. O mais importante vai em um pequeno pote de cerâmica branco, as cinzas da cachorrinha Amanda, que morreu pouco antes da missão começar, mas é peça-chave na aventura. Pelo caminho, o alemão diz conhecer gente de todos os tipos e experimenta diferentes comidas e culturas, em uma viagem considerada um sonho para muita gente.
Andi, como é conhecido, trabalhava com paisagismo na floricultura da família, na Alemanha. Por quatro anos, atuou como técnico de eólicas no país. Em 2016, começou a velejar e tomou gosto pela navegação. No mesmo ano, comprou um veleiro francês de 1996 e decidiu colocar o sonho de uma volta ao mundo em prática. Fez uma reserva financeira, vendeu o carro — tipo de veículo que acredita que nunca mais irá conduzir —, resolveu toda e qualquer pendência.
Andi ainda se despediu da mãe, hoje com 71 anos, e das duas filhas, gêmeas, com 22, que trabalham como enfermeiras em uma cidade perto de Berlim. Com a família, ele diz que troca mensagens com frequência.
A companheira Amanda, uma buldogue francês, havia falecido pouco tempo antes e sido cremada. Com tudo pronto, Andi pegou o pote onde as cinzas estavam e o colocou em uma estante de madeira na cabine do veleiro — a sala de entrada do local — junto de fotos da cachorrinha.
— Saí do emprego, comprei o catamarã e alguns equipamentos. Olhei para a Amanda e disse: "Agora vamos viajar pelo mundo, juntos". Ela é a minha bebê. Dormia comigo, na cama. Às vezes roncava e me acordava. Eu chacoalhava ela um pouco para parar — lembra Andi.
Ele relata também que Amanda tinha um companheiro de brincadeiras:
— Tinha o Paco, nosso outro cachorro, se davam muito bem. Ele ficou com minha ex na separação, e também já faleceu. A Amanda teve um problema de saúde e depois de um tempo não era mais possível operar. Acabou falecendo. Levei ela para cremar e falei com o dono do local, pedi que fosse cremada sozinha, sem outros animais, madeira, nada, para que eu pudesse levá-la sempre comigo. E aqui estamos — conta Andi, os olhos claros brinlhando sempre que fala no nome da mascote.
A embarcação leva o nome de outro animal, dessa vez marinho, o dugongo, mamífero que está em risco de extinção. Andi conta que conheceu a espécie "curiosa e mansa" em águas próximas ao Panamá, e que conseguiu fazer cafuné e carinho no nariz dos animais.
No catamarã francês, cabem 12 pessoas no máximo. Em alguns locais onde Andi fez paradas, como em Ibiza, uma forma de fazer um dinheiro extra era atuando com charter, quando o veleiro oferece hospedagem e passeios para grupos de turistas. Ele conta que recebe até quatro tripulantes por vez, e também pessoas que apenas fazem passeios de um dia na embarcação.
Liberdade
Para Andi, os meses em alto-mar, sozinho, não são problema. Ele diz que se sente confortável com a solidão, mas que gosta de fazer paradas para conhecer pessoas e culturas. No oceano, segundo ele, a sensação é de total liberdade e conexão com a natureza:
— Quando você está lá no meio e aciona o piloto automático, é um sentimento muito forte, emocionante. Quando não há diesel, motor, apenas a vela atuando, é que você sente o poder da natureza, do vento, da água. É uma adrenalina, te faz sentir fantástico. Uma sensação de liberdade muito grande. Claro que sinto medos, muitas coisas podem acontecer, há locais onde você não pode navegar por causa de roubos e mortes a embarcações. Mas era o meu sonho ser livre para atravessar o mundo em um barco.
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Segundo o capitão amador, destinos como Venezuela e Somália não são indicados pelo governo alemão, pela possibilidade de saques. Ele garante que o Brasil foi o preferido desde que embarcou na aventura, há sete anos. A gastronomia e as pessoas são alguns dos motivos:
— Sem dúvidas, o que mais gostei até agora foi o Brasil. A comida aqui é boa, gosto de conhecer os lugares, as pessoas, de conversar, ver a cultura. Gosto muito da America Latina como um todo, do jeito sul-americano. O clima é bom, menos estressante. Já cresci e vivi na Europa, vi tudo lá e há mudanças que não gosto. Não tenho nenhum interesse em volta para morar ou viajar por lá.
Ainda neste ano, ele pretende passar por Guiana, Trinidade Tobago e Suriname, onde quer conhecer e passar algumas semanas em uma colônia alemã. Outro destino na rota do alemão é Miami, nos EUA.
Com literalmente um mundo de possibilidades, ele conta que deve escolher o Panamá para viver, uma pausa que deve ocorrer em breve, para descansar e pausar a viagem por período ainda não definido. Andi tem dois amigos na cidade panamenha de Bocas del Toro, onde pretende comprar um bangalô. É na cidade, juntos dos amigos, que ele pretende passar o próximo aniversário, em agosto.
O caminho até o Rio Grande do Sul
A volta ao mundo do alemão começou pelo Algarve, em Portugal, e seguiu costeando a Espanha, indo depois para as Ilhas Canárias. Até 2018, Andi conta que navegou por todo o mar Mediterrâneo, conhecendo o norte da África. Chegou a Cabo Verde, de onde partiu em direção ao Brasil.
Chegou no país por Maceió, em Alagoas, e seguiu pela paradisíaca costa brasileira: conheceu Salvador, na Bahia, Vitória, no Espírito Santo, Cabo Frio, no Rio de Janeiro.
No dia 10 de janeiro, ele chegou ao Rio Grande do Sul pelo Museu Oceanográfico, em Rio Grande. De lá, partiu em direção a Florianópolis, em Santa Catarina.
Problema no motor
No dia 16, uma pane no motor e problemas elétricos no catamarã fizeram com que ele precisasse pedir ajuda enquanto navegava pelo litoral norte gaúcho, entre Tramandaí e Imbé.
Agentes da Capitania dos Portos de Tramandaí pediram apoio a empresa Mundial, que opera os rebocadores para a Petrobras. O Dugongo foi rebocado até o Rio Tramandaí pela imponente embarcação Sea Stars. Ali, ficou ancorado enquanto o veleiro era reparado pela Mundial. Andi encontrou acolhimento junto da equipe, que conta com funcionários que falam Inglês e Espanhol, como Germán Suárez, que intermediou o conserto na embarcação e também a entrevista com a reportagem de GZH. Como não tem domínio do Inglês, Andi costuma ficar com o celular na mão, traduzindo suas falas em alemão.
A Mundial atua prestando apoio para a Petrobras, levando autoridades, equipamentos e até rancho ao terminal da estatal, mas também oferece ajuda a velejadores quando preciso:
— Acontece de precisarmos fazer resgates assim. Já tivemos casos de velejadores que ficaram doentes, que perdeu braço ou entrou em óbito em razão de problemas enfrentados durante a viagem. Sempre damos ajuda a quem precisa rebocar. Apoio marítimo é algo que não se nega nunca. Nós amarramos uma corda no catamarã dele e o rebocamos — explica Roosevelt Licoski, que conduz a empresa há 28 anos.
Com o conserto finalizado após dois dias, Andi permaneceu no litoral gaúcho para conhecer pessoas, cultura e a comida do Estado. Ele partiu com destino a Florianópolis na manhã desta segunda-feira (23). Depois, ainda deve passar por mais alguns destinos brasileiros - como Angra dos Reis, Recife e Fortaleza - antes de deixar o país e seguir a volta ao mundo.