Menos de cinco segundos após o engate da garateia nas cordas, uma faixa de 20 metros de comprimento se estendeu pelo céu do Aeroclube de Planadores Albatroz, em Osório, no Litoral Norte. O relógio marcava 9h23min quando a pescaria do extenso pedaço de lona foi bem-sucedida e o avião monomotor pôde seguir seu trajeto em direção às praias gaúchas — a primeira tentativa, pouco antes, foi frustrada pelo vento, que derrubou um dos cabos içados pelas traves.
Na manhã do último sábado (7), a faixa que percorreu parte do litoral do Rio Grande do Sul apresentava a publicidade de uma rede de farmácias. Mas a aeronave pilotada por Alceu Mário Feijó, 69 anos, já reproduziu uma série de mensagens inusitadas, que vão desde pedidos de desculpa ou de casamento até felicitações e brincadeiras entre torcedores da dupla Gre-Nal.
A empresa por trás do serviço que chama a atenção de quem olha para o céu é a Voe Marketing – Filmagem e Publicidade Aérea, fundada em 2014 pelo publicitário gaúcho Marcus Vignoli, 46 anos. No início, o negócio era focado somente na filmagem aérea, com o uso de drones. Mas, no ano seguinte, foi expandido para o mercado de propaganda, a partir de uma parceria com Feijó, que já trabalhava no setor.
— Criamos uma amizade e a proposta caiu como uma luva, porque ele era aviador, não um vendedor, dizia que tinha dificuldade de conversar com as agências de publicidade. Antes eu trabalhava na área comercial e de planejamento, então tinha um bom relacionamento com essas agências. Na primeira temporada, fizemos uma parceria, de experiência e deu muito certo. Começamos a desenvolver não só o lado da publicidade aérea, mas também de produção audiovisual — explica Vignoli, CEO e sócio da Voe Marketing.
Hoje, além do reboque de faixa, a empresa trabalha com publicidade sonora aérea (semelhante ao serviço do carro de som, só que feito com avião), com helicóptero publicitário e com distribuição de brindes por meio de aeronaves, com miniparaquedas.
De acordo com Vignoli, o trabalho com a propaganda pendurada no avião é feito principalmente na rota de Tramandaí a Torres, no Litoral Norte. Contudo, a empresa também atende de Quintão a Torres e presta alguns serviços eventuais na Praia do Cassino, no Litoral Sul. O sócio comenta que o pico de procura pelo serviço é na alta temporada por causa do número de pessoas na beira da praia:
— A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), que é o órgão regulamentador, possibilita que se voe mais baixo sobre a água (a 150 metros, enquanto sobre a terra, o limite é 300 metros). Então, temos o ambiente perfeito para a publicidade aérea, porque conseguimos voar baixo e existe um público virado para o mar. A nossa melhor época é entre janeiro e fevereiro, por ser o auge do verão no Rio Grande do Sul.
A empresa também consegue atuar na Orla do Guaíba, que tem característica semelhante ao litoral gaúcho, sobre estádios de futebol e espaços de shows e eventos. Com homologação para todo o território nacional, a Voe opera ainda em Santa Catarina, especialmente nas praias de Florianópolis, Balneário Camboriú, Itapema, Porto Belo, Praia Brava, Navegantes e Itajaí.
Pessoas físicas e jurídicas contratam o serviço
Segundo Vignoli, a maior procura pelo serviço de publicidade aérea com faixa e som é por parte das agências de publicidade e dos departamentos de marketing das empresas — companhias de diferentes setores são atendidas neste caso, com campanhas institucionais e promocionais. O publicitário conta que a empresa ficou muito marcada por dois trabalhos sonoros que fez ao longo dos anos: a divulgação de um circo, com o barulho de um elefante, e o pedido de “fique em casa” durante a fase mais crítica da pandemia de covid-19, cuja contratação partiu da prefeitura de Porto Alegre.
Tem muitas pessoas que fazem com pedidos de desculpas. Às vezes até dá vontade de perguntar se deu certo, mas não entramos nesse detalhe, fazemos nosso papel e sempre desejamos boa sorte
MARCUS VIGNOLI
Publicitário
— O elefantinho gerou toda uma repercussão e a gente nem imaginava, porque voamos muito para circos, já que eles estão sempre se deslocando e gostam de comunicar quando chegam em determinada região. Pelo fato de ser um som um pouco agudo, aquilo marcou várias pessoas. E o da pandemia gerou uma grande repercussão nas redes sociais também. Foi inusitado, em um intuito de alertar as pessoas, um pouco diferente daquilo que a gente faz normalmente, que é a publicidade de eventos, produtos e serviços.
Mas além das empresas, a Voe atende outras solicitações inusitadas. Vignoli garante que, todos os anos, há quem contrate o serviço para enviar mensagens de amor. “Volta para mim”, “Me desculpa”, “Eu te amo” e “Casa comigo?” estão entre as frases que o avião pilotado por Feijó já carregou.
— Pedido de casamento é normal, mas o mais engraçado é quando o cara briga. Ficamos pensando no que ele deve ter feito para investir em uma mensagem no avião. E tem muitas pessoas que fazem com pedidos de desculpas. Às vezes até dá vontade de perguntar se deu certo, mas não entramos nesse detalhe, fazemos nosso papel e sempre desejamos boa sorte — brinca o CEO da Voe.
Outro pedido comum envolve faixas envolvendo a rivalidade entre gremistas e colorados. As mensagens incluem provocações tradicionais entre os torcedores da Dupla, mas também já foram a pedido dos clubes, como “Campeão da Libertadores”.
No Rio Grande do Sul, as faixas podem ter 20 metros de comprimento por dois ou três metros de altura. Já em Santa Catariana, elas podem ser maiores: de 22 metros de comprimento por três, seis ou nove metros de altura. Vignoli afirma que leva em média 10 dias para o material ficar pronto porque é feita com uma lona diferenciada, com dispositivos antitrepidação, que garantem que ela permaneça reta durante o voo. O item é comprado pelo cliente e se pode voar até 30 horas com ela – por isso, muitos guardam a faixa para utilizar em outros anos.
Um dos pilotos de faixa mais antigos do Brasil
Formado em 1972, Feijó é um dos pilotos de faixa mais antigos do Brasil, mas não começou a carreira nesta função. Logo depois que fez o curso, passou a trabalhar com aviação agrícola, pulverizando lavouras – atividade que exerceu por 25 anos, tendo inclusive uma empresa deste setor, em Uruguaiana. Em 1989, deu início ao trabalho com as faixas.
— Eu ainda tinha a empresa lá quando comecei com essa atividade da faixa. Só que eu voava agrícola no extremo oeste do Rio Grande do Sul e, no final de semana, tinha que vir para o Litoral. Então, chegou o momento em que eu tive que optar por uma ou por outra. E optei por essa, porque era um desafio diferente e eu já estava há 25 anos naquela atividade de aviação agrícola, então resolvi mudar, me dediquei só a isso e estou até hoje aí — conta o piloto.
Feijó relata que aprendeu a atividade com um amigo, que também era da aviação agrícola, mas se mudou para Maceió para trabalhar com as faixas. Ele explica que é necessário um treinamento específico para o serviço, mas, em uma semana, já sabia exercer a função.
Quando o pessoal me contrata para aniversário da esposa, acho muito legal, sinal de que o cara está muito apaixonado
ALCEU MÁRIO FEIJÓ
Piloto
Enquanto se preparava para o voo de sábado, o piloto explicou como funciona o processo: a garateia, que é uma espécie de anzol que “pesca” a corda pendurada na faixa, fica presa na asa do avião monomotor, próximo a janela. Não pode ficar pendurada para trás, porque a aeronave faz um deslocamento pelo solo até decolar, assim, poderia arrastar no chão.
— Logo que decolo, eu libero a garateia, puxando um botão que tem no painel ou com a mão mesmo, pela janela. Aí ela cai, arrebenta as fitinhas (que direcionam a corda da garateia na posição correta), e ela fica posicionada lá para trás. O meu colega que está no chão vê se ela se posicionou certinha, se está esticada para trás e me diz no rádio que a garateia está ok — narra Feijó.
O colega citado pelo piloto é o operador de pista, que monta as duas traves, posiciona as cordas de reboque e estica a faixa pelo chão. Depois que essa parte está pronta, Feijó desce com o avião até ficar entre três e quatro metros do chão — é neste momento que a garateia pega o cabo e puxa a lona:
— Depois que engatou, enquanto estiver tracionando, não solta mais. Então, quando pega, dou uma subida forte no avião e a faixa levanta. Isso que chamamos de pescaria é o momento crítico. Se der certo, vou até acabar a gasolina, mas pode dar errado, a faixa pode torcer e rasgar. Aí tem que cancelar o voo. Quando dá errado, o operador me avisa no rádio e eu alijo a faixa, tem um dispositivo que solta o gancho lá atrás e cai tudo no chão.
As demonstrações de amor rendem boas lembranças
O avião amarelo utilizado para carregar as faixas é de Feijó e foi adquirido em março de 1999. Feijó destaca que sempre gostou de aviação e que sua aeronave é muito eclética, pois pode fazer reboque de faixa, fotografia aérea, publicidade sonora e, eventualmente, até transportar pessoas. Entretanto, quando questionado sobre o trabalho que mais gosta de fazer pela Voe Marketing, garante que são as declarações de amor.
Feijó inclusive é personagem de uma dessas histórias: quando sua esposa fez 40 anos, fez uma faixa para ela.
— Eu botei assim “Mulher de 40, ainda quero ser seu namorado”. Então, quando o pessoal me contrata para aniversário da esposa, acho muito legal, sinal de que o cara está muito apaixonado — brinca o piloto.
— Também fazemos revelação de sexo de bebê, com uma faixa azul e outra rosa, e isso também é muito bonito. Essas demonstrações de amor são muito legais, gosto muito de fazer — acrescenta.
Além das declarações, Feijó afirma que o que lhe faz seguir há tanto tempo no ramo é o amor pela profissão. Presidente do Aeroclube de Novo Hamburgo, ele também dá aulas para jovens pilotos e garante que quer seguir na aviação até morrer, porque, no céu, sente de tudo um pouco: medo, susto, prazer, alívio e alegria.