
O governo da Itália restringiu a lei que concede o direito à cidadania aos descendentes de italianos nascidos no Exterior. A medida legislativa modifica o processo de obtenção do passaporte europeu, gerando uma série dúvidas.
Entre elas, como a mudança de regras afeta aqueles que já entraram com o processo junto aos consulados no Brasil.
Publicado na última sexta-feira (28), o decreto-lei tem validade de 60 dias, precisando ser apreciado por parlamentares italianos para se tornar lei, semelhante à Medida Provisória, aqui no Brasil.
O que mudou com a legislação?
Até a publicação da legislação, em vigor desde sexta-feira (28), a Itália previa a concessão da nacionalidade seguindo o princípio do "iure sanguinis" (direito de sangue).
A norma diz que a nacionalidade de uma pessoa tem como base os antepassados, e não o local de nascimento. Dessa forma, qualquer pessoa que conseguisse comprovar que teve um ancestral italiano vivo após 17 de março de 1861 podia solicitar a cidadania. Ou seja, não havia limite de gerações.
A decreto-lei atual, aprovado pelo Conselho de Ministros da Itália, muda essa orientação e estabelece que os descendentes de italianos nascidos no exterior só receberão a cidadania se, pelo menos, um dos pais ou avós tiver nascido no país europeu.
Zero Hora tentou contato com o Consulado da Itália em Porto Alegre e com a Embaixada da Itália em Brasília para entender de que forma a mudança atinge quem já iniciou o processo de reconhecimento.
Em nota, a representação diplomática oficial limitou-se a falar sobre as modificações na lei, mas não entrou em detalhes sobre como a reforma será organizada. Também, reforçou que os atendimentos consulares estão suspensos.
Como fica para quem já entrou com o pedido de reconhecimento da cidadania italiana?
De acordo com o decreto-lei, os descendentes de italianos que protocolaram pedidos de cidadania até as 19h59 da última quinta-feira, dia 27 de março de 2025, pelo horário de Brasília (23h59, no horário de Roma), não serão afetados pela medida. Essas pessoas garantiram a aplicação da legislação anterior e não tem sobre si a regra do limite de gerações.
— Quem tem um protocolo do seu pedido, seja ele via administrativo ou na via judicial, pode ficar tranquilo porque não vai ter qualquer incidência dessa nova regra — pontua a advogada Ana Carolina Campara Brittes, proprietária do escritório Campara Cidadania e especialista nas áreas de Nacionalidade, Vistos e Soluções Migratórias.
No caso de quem entrou com o pedido judicial, precisar estar em posse do comprovante de ajuizamento ou do número de registro do processo no tribunal. Quem entrou de modo administrativo, via consulado, deve estar em posse do número de protocolo da entrega da documentação.
Quem tem um protocolo do seu pedido, seja ele via administrativo ou na via judicial, pode ficar tranquilo porque não vai ter qualquer incidência dessa nova regra
ANA CAROLINA CAMPARA BRITTES, ESPECIALISTA NAS ÁREAS DE NACIONALIDADE, VISTOS E SOLUÇÕES MIGRATÓRIAS
Portanto, aqueles que estão em uma fase anterior, na fila de espera de convocação para apresentação dos documentos, estão sujeitos às novas regras.
A advogada Ana Carolina aponta que faltam orientações por parte do governo da Itália sobre como esse público será atendido a partir de agora.
— Essas pessoas que só tinham número de convocação, número de agendamento ou data de apresentação desses documentos foram prejudicadas. As pessoas que tinham uma tentativa consular foram afetadas. Essa fila foi extinta e nós ainda não sabemos o que irá acontecer, se o governo italiano irá retomar, irá começar do zero. Nada disso foi explicado — destaca a especialista.
Centralização dos pedidos
A intenção do governo italiano é centralizar os pedidos de cidadania e criar um órgão específico dentro do Ministério das Relações Exteriores do país. Dessa forma, isso retiraria dos consulados a competência para recebimento e apreciação dos pedidos de nacionalidade.
No decreto-lei, a Itália estabeleceu um período de um ano para transição, mas não detalhou como irá proceder os atendimentos. Por isso, Ana Carolina pontua que, neste momento, não é possível afirmar se os requerentes que já estavam na fila consular serão atendidos e se terão direito ao reconhecimento da cidadania. Além disso, não há como assegurar como irá funcionar as etapas da solicitação da cidadania a partir de agora.
— Basicamente, o que o governo italiano fez foi extinguir a competência do Consulado para apreciação dos pedidos de nacionalidade, fazendo com que pessoas que estivessem na fila há oito, dez anos, aguardando a documentação ser protocolada, ficassem agora em um limbo, em um compasso de espera — destaca a advogada.
Diante dessa incerteza, desde o anúncio da mudança, os consulados italianos no Brasil suspenderam os atendimentos e os agendamentos para dar início ao processo de reconhecimento da cidadania. As entidades afirmam que novas atualizações serão fornecidas assim que estiverem disponíveis.
— Como o período de vigência provisória do decreto é muito curto, os consulados obviamente vão esperar. Como será convertido em lei? Que texto terá a lei daqui a 57 dias? Então, vai se esperar esses dois meses para depois ver exatamente como é que vai vir o texto exato da lei. Se for igual ao decreto, aí os consulados vão abrir um caminho para as pessoas que se encaixam nessas situações — explica o sociólogo Daniel Taddone, membro do Conselho Geral dos Italianos no Exterior.
O que é um decreto-lei?
Um decreto-lei na Itália é o equivalente a uma medida provisória no Brasil.
O Decreto-Lei de 28 de março de 2025, n. 36 foi publicado sob caráter emergência e tem vigência imediata. Mas, ele ainda precisa passar pelo Poder Legislativo em um prazo de até 60 dias para continuar valendo. Se for aprovada, esta lei passa a vigorar de modo definitivo. Se for recusada, é como se nunca tivesse existido.
— Há três cenários possíveis: a aprovação do decreto-lei sem emendas, a aprovação com emendas (com alterações) ou a rejeição. Caso seja rejeitado, volta como sempre foi — afirma Ana Carolina Campara Brittes, proprietária do escritório Campara Cidadania e especialista nas áreas de Nacionalidade, Vistos e Soluções Migratórias.
Em entrevista nesta segunda-feira (31) ao Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, Daniel Taddone diz acreditar que as cortes superiores vão barrar o decreto. Conforme o sociólogo, o direito à nacionalidade está previsto na constituição do país.
— Esperamos que esse decreto, se convertido em lei, seja posteriormente declarado inconstitucional pelas cortes superiores da Itália. Essa é a esperança de todos, porque é preciso salvaguardar o estado de direito — diz Taddone.
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