Pouco depois da 1h30min na madrugada de sábado (4), quando boa parte do município de Torres já foi dormir, Gabriel Zaparolli, 24 anos, se apronta para subir o Morro das Furnas sob total escuridão. Olha para cima e enumera:
— Ali é Júpiter. À direita, é Marte. Mas, se olhar mais para o alto, é Sirius, a estrela mais brilhante no céu — afirma o fotógrafo nascido e criado no Litoral Norte, apontando para o pontinho luminoso a 8,6 anos-luz de distância da ponta de seu indicador.
Nessa noite, a missão de Zaparolli é "caçar" o cometa C/2024 G3 (ATLAS) invisível a olho nu, mas possível de ser fotografado com equipamentos e técnicas especiais.
A obsessão em registrar tempestades, estrelas e cometas desde que tinha apenas 13 anos começa a direcionar para o gaúcho a atenção de algumas das principais agências espaciais do mundo. Em outubro, a Nasa publicou uma de suas fotos como destaque em seu site e, na quarta-feira (8), a Agência Espacial Europeia (ESA) deverá divulgar um compilado de alguns de seus trabalhos.
— Nem acreditei quando a Nasa entrou em contato comigo para divulgar a foto que fiz de um cometa na divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina. Depois disso, vendi duas fotografias para os EUA — conta o fotógrafo.
O termo "caçar", usado por quem tenta capturar os fenômenos celestes em uma imagem, é apropriado: é preciso preparo, técnica, longas esperas e, por vezes, diversas tentativas e um tanto de sorte para ter sucesso. A madrugada de sábado era a sexta oportunidade que Zaparolli tinha de documentar a passagem do novo cometa. O objeto poderia ser fotografado apenas por alguns minutos entre o final da noite e o amanhecer.
O jovem, que se apaixonou pela área ao assistir a programas de caçadores de tempestades no Discovery Channel, sobe o Morro das Furnas iluminado apenas pela lanterna de seu celular. No topo, começa a montar o equipamento. Um deles é um tracker — dispositivo que faz a câmera girar na mesma rotação da Terra, evitando assim que as estrelas apareçam "borradas" em imagens capturadas por meio de longas exposições.
Em poucos minutos, parece que a caçada acabará frustrada. Nuvens surgem de Oeste e, aos poucos, se arrastam rumo ao alto-mar e transformam o céu em um lençol branco estendido sobre sua cabeça. Zaparolli sussura para si mesmo: "vai dissipar, vai dissipar". A nebulosidade, ao contrário das previsões do tempo e de sua expectativa, aumenta.
A saída é esperar e torcer para que, até o final da madrugada, a sorte favoreça o caçador. Pouco antes das 3h, ele puxa o celular do bolso, abre um aplicativo com imagens de satélite e garante:
— Em meia horinha, vai abrir.
Nesse meio tempo, os vultos de duas pessoas cruzam pelas proximidades no topo do morro. O jovem olha por cima do ombro e volta a se concentrar no céu. Não tem medo de frequentar o local. Quando tinha apenas 16 anos, mentia aos pais dizendo que, por segurança, subiria o morro na companhia de um amigo. Pegava a bicicleta e seguia sozinho rumo a seu ponto de observação favorito para bisbilhotar os astros.
— Algumas vezes, também matava aula para acompanhar alguma tempestade. Agora, quero cursar Meteorologia — afirma.
Por volta das 3h20min, as nuvens começam a se desfazer. Um braço da Via-Láctea apinhado de estrelas se revela no firmamento. O fotógrafo ajusta a câmera e, enquanto o cometa não se revela, aponta a lente para outro quadrante a fim de capturar a nebulosa Eta Carina. Às 4h, declara:
— Agora vamos atrás do cometa!
Não é simples. Como sua luminosidade não é intensa o suficiente para ser vista a olho nu, é preciso supor em que ponto do céu ele vai aparecer, apontar a câmera para lá e torcer para acertá-lo, como quem joga uma lança em uma presa fugaz. Para aumentar a chance de sucesso, a preparação prévia envolve a busca de parâmetros celestes que indiquem onde o fenômeno vai surgir.
O foco é direcionado para o "rabo do escorpião", ou ponta final da constelação que leva esse nome. Um pontinho quase imperceptível aparece na tela da câmera pouco acima da linha do horizonte, e próximo de nuvens distantes que voltam a ameaçar o registro. Zaparolli acredita que acertou o alvo, mas ainda não tem certeza.
Após mais uma foto de longa exposição, tirada enquanto a câmera gira levemente ao ritmo da Terra, outra imagem se abre no visor.
— Olha o cometa ali! — comemora, às 4h15min, indicando o minúsculo ponto na tela, na verdade distante 170 milhões de quilômetros do Morro das Furnas.
Está tão longe que, mesmo com o uso de equipamentos sofisticados, aparece como uma estrelinha qualquer naquele canto do céu. Mas, para os olhos treinados, é um feito e tanto flagrar sua presença um tanto discreta.
Confirmada a localização, agora é só fazer diferentes registros que serão combinados em apenas uma foto para ampliar seu grau de detalhamento. Zaparolli levanta, toma um gole d'água, estica as pernas. Em breve, talvez, mais uma de suas fotos ilustre o site de alguma agência espacial estrangeira.
O garoto-prodígio da fotografia astronômica embala a câmera e o tripé e, enquanto grupos de madrugadores chegam para testemunhar o nascer do sol de cima do morro, Gabriel Zaparolli vai embora junto com as últimas estrelas.