Relações de amizade são, comumente, divididas em dois grupos nas redes sociais: de baixa ou de alta manutenção. Os termos, que tentam definir o nível de esforço necessário para manter um vínculo, ficaram populares em debates sobre o equilíbrio de relacionamentos e rotinas corridas. Para alguns internautas, a fase adulta dificulta o fortalecimento dos laços.
José Ricardo Kreutz, professor do curso de Psicologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) ressalta que não há uma teoria que possa categorizar as relações dessa forma.
Rápidas pesquisas na internet, porém, pontuam que uma amizade de alta manutenção exige mais tempo e esforço para manter o contato frequente, enquanto as de baixa manutenção fluem mesmo com pouca interação.
— Naturalmente, há amizades que demandam menos e outras que demandam mais. Mas não só. O termo manutenção é usado para falar de sistemas mecânicos ou tecnológicos. Um carro que roda muito mais quilometragem sem precisar substituir as peças é de baixa manutenção, por exemplo. A concepção do tempo é mecanicista, e há uma tendência, na cultura digital, de mecanizar as relações de um jeito binário — pontua o especialista.
A frequência de contato é determinada pela natureza da relação.
JOSÉ RICARDO KREUTZ
Psicólogo e professor
O professor acrescenta que, neste contexto, é normal que as pessoas atribuam vantagens e desvantagens aos diferentes tipos de amizade. Esse comportamento, segundo Kreutz, abre espaço para a qualificação das relações. Ou seja, para que as amizades sejam classificadas entre mais ou menos vantajosas.
As publicitárias Sofia Alonso, 24, e Rafaela Ribeiro, 25, garantem que os dois tipos de amizades funcionam e são benéficos. Para uma, é impensável ter uma rotina na qual o grupo de amigas não se encontra com frequência. Já a outra diz que conversar algumas vezes durante a semana por mensagens e ter algumas reuniões presenciais durante ao ano permite que a amizade continue a mesma.
— A frequência de contato é determinada pela natureza da relação. Se é uma natureza mais afetiva, mais demandante, se busca, naturalmente, mais envolvimento. E se tem uma natureza sem uma grande necessidade de contato, segue assim. Mas isso não tem a ver com manutenção. É um espectro, é uma multiplicidade de possibilidades, não só da sociedade, mas de qualquer tipo de relação humana — acrescenta o professor da UFPel.
Encontro semanal
Desde o início da faculdade de Publicidade e Propaganda na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 2018, Sofia faz parte de um grupo de nove amigas. Apesar do grupo não ser composto apenas por publicitárias, as meninas têm rotina e assuntos parecidos e, segundo ela, isso facilitou o fortalecimento do vínculo.
Atualmente, elas conversam pelo WhatsApp diariamente e se encontram pessoalmente, pelo menos, uma vez por semana. É normal que uma ou outra amiga não possa comparecer aos encontros ou demore para responder as mensagens de vez em quando. Mesmo assim, o contato continua frequente. Elas saem para almoçar juntas nos finais de semana ou ir tomar um passe nas terças-feiras.
— Para além de qualquer coisa, a gente prioriza muito estar juntas e ter as outras perto. A gente faz questão e, neste caso, o fazer questão não é um esforço. Às vezes não é fácil. Como qualquer relacionamento, precisa de algumas concessões. Mas, para a gente, já é natural — afirma.
Sofia se descreve como uma amiga de alta manutenção. Em outras relações de amizade, ela percebe que também precisa de um contato frequente para se sentir bem. Ainda assim, conta que tem algumas amizades de baixa manutenção que funcionam.
Encontro anual
Por outro lado, os encontros do grupo de amigos da Rafaela, composto por 10 pessoas e iniciado na faculdade de Publicidade e Propaganda da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) há sete anos, são mais escassos. Segundo a jovem, o fato de cada um morar em uma cidade diferente da Região Metropolitana torna mais difícil a realização de momentos ao vivo.
Já no grupo de amigos criado no Ensino Médio, a dificuldade é outra: apesar de morarem na mesma cidade, cada um tem uma profissão e uma rotina diferente, o que impossibilita o encaixe de horários. Com esses, o encontro de Rafaela é anual.
— Se alguém precisa de alguma coisa, manda mensagem, e a gente fica conversando. Mas a gente não conversa todos os dias. Com os meus amigos da faculdade, por exemplo, todo mundo tem a mesma visão desse tipo de amizade, aí a gente consegue fazer isso dar certo. Mas para outras pessoas, eu sei que é mais difícil porque alguns têm necessidade de manter contato físico frequente — reconhece a publicitária.
Rafaela acredita que é uma amiga de baixa manutenção. Ela afirma que, mesmo se ficar alguns dias sem receber mensagens dos amigos ou alguns meses sem encontros presenciais, continua confiante de que o laço está mantido e de que pode contar com as pessoas do seu ciclo. Ela ressalta, porém, que esse modelo não funciona para todos:
Como manter amigos
Kreutz, professor da UFPel, defende que manter amizades pode ser uma tarefa difícil. Porém, é um esforço necessário, uma vez que, segundo ele, não seria possível ter uma vida plena sem outra pessoa. Amizades são importantes para a formação da personalidade, formação social e para exercitar a empatia, entre outras coisas.
— A dica fundamental para manter amizades na fase adulta, apesar de clichê, é a empatia. É dizer assim: "eu consigo me colocar no seu lugar, eu percebo o teu sofrimento, percebo tuas questões, eu respeito tuas questões e eu não vou balizar a tua vida pela minha” — pontua.
Para ele, é importante que os amigos conheçam as necessidades um do outro e tenham cuidado com essas questões. Valorizar a presença das pessoas também pode fazer a diferença na manutenção das amizades.
Sofia e Rafaela aconselham tentar manter uma frequência de contato, mesmo que seja virtualmente, encontrar momentos na rotina para passar tempo com os amigos e ser sincero sobre o que funciona ou não na relação.