Quem entra no estabelecimento de madeira localizado na Avenida Rubem Berta, no centro de Tramandaí, logo tem sua atenção voltada para os objetos coloridos no teto. É ali que ficam algumas das pranchas mais antigas do acervo de mais de 2 mil peças da Proibt Wave — uma verde escura, por exemplo, é da década de 1970. Fundada há quase 40 anos por três irmãos, a loja testemunhou as mudanças do Litoral e do esporte, mas segue preservando a história do surfe gaúcho.
O proprietário do estabelecimento, Sergio Augusto Antunes, 63 anos, conta que o negócio começou em um galpão, na década de 1980. Na época, ele e dois irmãos passaram a consertar as pranchas de grupos que vinham para o Litoral Norte surfar.
— A gente começou a fazer uns consertos no fundo do quintal, como a maioria das fábricas daquela época. E aí pintava uns consertos tão difíceis, com pranchas quebradas no meio, que a gente pensou que se conseguia fazer esses consertos, conseguia fazer prancha também. Então, a gente começou oficialmente em 1988, porque foi quando a gente começou a fabricar pranchas. Mas erramos muito no começo, porque a gente não tinha nem ideia de como fazer — recorda.
Os irmãos ficaram 10 anos produzindo pranchas em um espaço alugado e, com o dinheiro das vendas, conseguiram comprar a sede atual do estabelecimento. Sergio destaca que a demanda era grande, pois o negócio foi um dos primeiros do ramo na região. Por isso, atendiam surfistas de todos os cantos do Rio Grande do Sul.
Com o decorrer dos anos, a loja ficou ainda mais conhecida e passou a atender pessoas inclusive de outros locais do Brasil, como Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo. Entretanto, na percepção de Sergio, houve uma queda no engajamento com o esporte — mesmo com a inclusão nos Jogos Olímpicos — e, por consequência, nas demandas do negócio.
O proprietário, que é natural de Alegrete e se mudou para o Litoral com a família quando era adolescente, atribui a redução à falta de interesse dos mais jovens. Assim, garante que sua clientela é mais velha e que a demanda só se renova um pouco no verão, em função das aulas de surfe.
— Tenho um monte de amigos surfistas que não conseguem botar os filhos no surfe, porque a gurizada não quer. A gurizada quer futebol ou skate, algo que não dê muito trabalho. O surfe é complicado e trabalhoso — comenta Sergio, acrescentando que começou a surfar na adolescência, quando surfistas de Porto Alegre passaram a praticar o esporte em Tramandaí.
Mudanças no esporte
O proprietário da loja destaca que, ao longo de quase 40 anos, muita coisa mudou em relação ao esporte. Naquela época, segundo Sergio, o processo para aprender e praticar envolvia “muito perrengue”. Ele lembra, por exemplo, que os grupos vinham de ônibus para o Litoral e precisavam descobrir muitas coisas sozinhos, com tentativa e erro.
Apesar de todas as mudanças e de não ter um sucessor, pois os filhos não se interessam pelo esporte, Sergio não cogita encerrar o negócio. E a motivação vem do gosto pela área:
— É o que eu sei fazer também, é trabalhar com esse pessoal aí, não adianta. Estou há muito tempo trabalhando no meio dessa galera e já estou muito conhecido também. Então, sempre tive bastante clientela, mesmo que tenha diminuído bastante, todo mundo conhece, não só aqui em Tramandaí, mas em todo o Estado.
Acervo com mais de 2 mil peças
Dentro do estabelecimento, Sergio mantém um acervo com mais de 2 mil pranchas. Entre elas, muitas antigas. As que estão expostas no teto, por exemplo, são das décadas de 1970 e 1980. Perto da entrada, está sua maior relíquia, que era usada por volta de 1950:
— Ela é de madeira, é Alaia o nome dela. Pessoal começou nisso aqui mesmo, lá nos primórdios dos anos 1950. Não tinha prancha de fibra naquela época, então era esse tipo.
Pelo interior da loja, é possível ver pranchas dos mais diversos modelos, cores e tamanhos. Os objetos se empilham aos montes nos fundos e no segundo andar do estabelecimento – onde Sergio ainda faz consertos. Roupas e outros acessórios de surfe antigos também estão expostos no local.
De acordo com o proprietário, as pranchas antigas foram adquiridas em “rolos”. Isso porque muitas pessoas não tinham dinheiro para comprar um equipamento novo e, portanto, davam o seu usado e uma quantia um pouco menor para fechar o negócio.
Atualmente, a maior demanda de Sergio é por pranchas usadas, consertos e acessórios. Entre todos os objetos que estão no local, o proprietário garante que não vende algumas relíquias, como as pranchas mais antigas e uma mais atual, que conseguiu há pouco tempo: trata-se de um equipamento usado pelo surfista Gabriel Medina, que conquistou uma medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Paris 2024.