A liberdade de abortar "continua em perigo", advertiu nesta segunda-feira(4) o primeiro-ministro francês, Gabriel Attal, no início de um debate parlamentar que tornará a França o primeiro país a proteger esta prática em sua Constituição, após vários reveses no mundo.
— Digo a todas as mulheres, dentro de nossas fronteiras e além, que começa a era de um mundo de esperança — assegurou Attal, após destacar que o procedimento no mundo está "à mercê daqueles que decidem".
Quase meio século depois de sua descriminalização na França, existe um grande apoio social, mas a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos em 2022 de deixar de reconhecê-lo como direito federal soou os alarmes. A ilustre sala do Congresso, criada no final do século XIX no Palácio do Versalhes, ao sudoeste de Paris, é o cenário do debate que tornará "irreversível" este direito, segundo o presidente Emmanuel Macron.
Este Congresso extraordinário, que reúne ambas as câmaras do Parlamento, encerra um longo processo legislativo, impulsionado pela esquerda e a base do governo, meses depois do retrocesso americano.
Sua inscrição necessita do apoio de 60% dos legisladores presentes, o que deve ocorrer com folga. Dos 925 deputados e senadores franceses, 760 já deram opinião favorável nos votos unicamerais.
— Esperamos transmitir esta energia positiva às mulheres e feministas no mundo — assegurou Anne-Cécile Mailfert, da Fundação das Mulheres.
— A queda do direito ao aborto nos Estados Unidos nos impactou, nos devastou — afirmou.
Outros países
Antes da histórica decisão da França, o Chile tentou introduzir o direito às mulheres a "uma interrupção voluntária da gravidez" em seu projeto de nova Constituição em 2022, que os chilenos rejeitaram no referendo.
No lado oposto, alguns países proíbem implicitamente o aborto em sua Constituição ao garantir o direito à vida desde a concepção, como no caso da República Dominicana, Filipinas, Madagascar, Honduras e El Salvador.
— Se eu fosse francesa, estaria lutando por esta mudança constitucional — disse em 2023 ao jornal francês Libération a líder feminista salvadorenha Morena Herrera, para quem isto "terá repercussões no resto do mundo".
"Suprimir uma vida humana"
Esta ativista recebeu então o prêmio Simone Veil, criado em 2019 em honra a esta ministra francesa, ícone da emancipação feminina e sobrevivente do Holocausto que conseguiu a descriminalização do aborto em 1975.
Em 2022, o prazo para o procedimento aumentou até 14 semanas na França, onde o número de interrupções voluntárias da gravidez se mantém estável há duas décadas em cerca de 230.000 no ano. No entanto, o acesso é "bastante difícil" nas zonas rurais, explicou à AFP a deputada centrista, Éleonore Caroit, para quem a constitucionalização permitirá "reforçar o acesso ao aborto nesses lugares".
Embora em torno de 80% dos franceses apoiem a proteção do direito ao aborto na Constituição, segundo pesquisas, bispos contrários à medida chamaram nesta terça-feira "ao jejum e à oração".
"Na era dos direitos humanos universais, não pode existir um 'direito' a suprimir uma vida humana", afirmou em um comunicado a Pontifícia Academia para a Vida, órgão do Vaticano que se encarrega das questões de bioética.
Em paralelo ao Congresso, a organização contrária ao aborto Marcha pela Vida convocou uma manifestação em Versalhes, "para defender a vida das crianças que ainda não nasceram e todas as vítimas do aborto".
Os partidários desta reforma constitucional acompanham esta histórica votação na esplanada de Trocadéro, com a Torre Eiffel ao fundo, graças a uma tela gigante instalada pela Prefeitura de Paris e a Fundação das Mulheres.
Após a aprovação prevista no Congresso, a cerimônia final de inscrição do aborto na Constituição, com a presença de Macron, poderá ser realizada em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, segundo uma fonte próxima.
* AFP