
Quando ocorrem tragédias em escolas, como a barbárie de Blumenau (SC), a medida mais urgente a ser tomada é estabelecer uma rede de apoio emocional e psicológica a estudantes, familiares e funcionários da instituição. Mas também é importante que a sociedade avalie que tipo de crenças e valores está sustentando e comece a investir numa cultura de paz, dizem psicólogos ouvidos por GZH.
Segundo a psicóloga Andreia Mendes dos Santos, que coordena o Laboratório das Infâncias da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e é docente no Programa de Pós-Graduação em Educação da instituição, um levantamento feito pelos integrantes do grupo mostrou que, na última década, o Brasil registrou mais de um ataque a escola por ano.
Cada vez mais comum, este tipo de violência abala a certeza de pais e dos adultos em geral de que a escola representa o espaço em que a criança pode começar a socializar, a ir para o mundo, com a segurança que seria necessária.
— A Educação Infantil é aquele momento em que, pela primeira vez, a criança vai ficar com alguém que não é do laço sanguíneo. E quando acontece uma barbárie como essa, a rede de confiança que se estabeleceu entre família e escola fica estremecida. Porque fica a sensação de que a escola não é um lugar de proteção, ainda que esses casos de ataques em escolas apontem para um fenômeno de violência urbana e de falta de prevenção de saúde mental para a população — diz.
Segundo o psicólogo Leonardo Garavelo, professor de Psicologia da Universidade La Salle e da Faculdade Dom Bosco, pode acontecer de surgir a paranoia em que tem criança no seio familiar.
— É um trauma coletivo, um massacre. Gera na sociedade um medo extremo de que isso pode acontecer com nossos filhos, em nossos bairros, nas nossas escolas. Os grupos de WhatsApp de pais ficam tumultuados, as escolas mandam circulares informando que fazem o que é possível pela segurança das crianças — observa.
Luto e elaboração
O impacto desse tipo de violência nos alunos e familiares diretamente envolvidos no episódio é brutal. Segundo Andreia, as crianças podem desenvolver depressão e fobia social, que é a limitação em se relacionar e confiar nas pessoas. Quando crescerem, e se por ventura se tornarem pais, podem ter receio quando os filhos forem para a escola.
Uma reação muito comum nos pequenos é apresentar agressividade e regressão no comportamento, acrescenta a psicóloga e pedagoga Ana Carolina D'Agostini, integrante da empresa de soluções educacionais Programa Semente.
— É comum que as crianças expressem a dor de outras formas, porque ainda não sabem expressar em palavras. Elas podem até se tornar mais agressivas, inclusive com colegas, e tendem a regredir nos comportamentos, como voltar a chupar o dedo, fazer xixi na cama, voltar a agir como bebês. Também é comum que perguntem quando aqueles colegas que partiram vão voltar — diz.
Nos adultos, sejam eles familiares, professores e demais integrantes da equipe escolar, o luto é marcado por sentimentos desagradáveis, como estado de choque, apatia, tristeza profunda, raiva, ansiedade e desamparo, inclusive sensações físicas, como aperto no peito, falta de ar, nó na garganta e perda de energia.
Este trauma precisa ser elaborado e, mais do que tudo, é urgente que toda a comunidade escolar tenha amparo de psicólogos e até formem grupos de apoio.
— Pessoas que estiveram ou não presentes no dia da tragédia precisam de atenção especial, um espaço para poderem falar do que estão sentindo, de seus medos. É preciso de um processo colaborativo. Antes de abrir as portas, a escola vai precisar de um momento muito interno com os funcionários. E quando isso já estiver um pouco mais cicatrizado, não tão latente para os trabalhadores, aí é hora de a escola reabrir — opina Andreia.
Quando a rotina da escola for retomada, é importante que o assunto, ainda que doloroso, tenha o seu espaço. Em vez de evitar recordar do tema, querendo, com isso, afastar a dor, o mais adequado é falar sobre o que houve.
— É importante falar sobre o evento, poder pensar o que fazer em termos de homenagem a essas crianças que partiram. Também é importante falar: "Olha, o colega não vem mais, ele não está mais aqui". É preciso demarcar que aquele colega continua pertencente ao grupo, apesar de não estar mais ali — diz Andreia.
Cultura de paz
Na avaliação de Garavelo, casos de violência em escolas, com inocentes sendo mortos, têm uma representação simbólica de ataque à inocência. São fenômenos que refletem um momento da sociedade em que o ódio tornou-se um valor expressivo.
— Semana passada tivemos o caso de um estudante que matou a professora. É um fenômeno que tem sido recorrente no Brasil nos últimos anos. Estamos vivendo uma cultura de ódio, agressividade, violência, desamparo. O que vemos nesse perfil de assassinos brancos e heterossexuais? Filiações com discursos nazistas, xenófobos, racistas. E há o fenômeno das redes sociais. Esses massacres estão relacionados às redes, como deep web e outros fóruns, em que há grupos que disseminam ódio e violência - observa.
Para o psicólogo, em vez a sociedade reagir com ódio, é importante investir em atos que promovam união e carinho.
— Os pais que ficam com medo de que os filhos sejam atacados precisam se unir com outros pais e participar das propostas da escola em busca de uma cultura de paz. Precisamos combater o bullying, aceitar a diferença. Acredito que não adianta instalar mais câmeras e catracas em escolas. Precisamos de uma cultura de paz que dissolva qualquer ódio que possa ser instaurado. Precisamos promover saúde — opina.