— Povo negro unido, povo negro forte! Povo negro unido, povo negro forte! — entoavam as pessoas reunidas em frente ao prédio da reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) neste sábado (20).
Depois de um ano apenas no virtual, a foto que reúne negros e negras que integram a instituição, voltou a ser presencial, reunindo, segundo contagem da reportagem, cerca de 150 pessoas, entre estudantes, professores, servidores e funcionários da UFRGS, com praticamente todos utilizando máscara de proteção. Esta foi a quinta edição da ação alusiva ao Dia Nacional da Consciência Negra.
Nas faixas e cartazes carregados pelos participantes, frases pediam o fim do genocídio negro, exaltavam ídolos da resistência negra, como Marielle Franco e Carlos Marighella. Além disso, as mensagens exibidas ainda acusavam o governo federal de ser racista e pediam a saída de Jair Bolsonaro da presidência.
De acordo com Tamyres Filgueira, coordenadora adjunta do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, Indígenas e Africanos (Neab), responsável por promover a foto neste ano e em 2020, o encontro é uma mistura de afeto, troca de experiência e, também, de protesto devido a atual situação do país, como o aumento na taxa de desemprego e o encarecimento dos produtos alimentícios.
— A gente sabe que, com esses impactos, que são consequências da pandemia, quem está sendo mais atingida é a população negra e pobre do país. Então, estar aqui hoje, é um momento de fortalecimento do povo negro — destaca.
Segundo Tamyres, a foto faz parte de uma necessidade da comunidade da UFRGS para reforçar a identidade do povo negro dentro da universidade, que aumentou depois da aplicação da política de cotas, em 2007.
— A gente sabe que foi uma conquista do povo negro para que essas pessoas estarem aqui dentro hoje. Não é que não existiam pessoas negras antes, mas elas eram poucas — explica a coordenadora adjunta do Neab.
Wagner Machado, produtor cultural da UFRGS e um dos responsáveis por idealizar a primeira foto dos negros e negras da universidade, em 2017, foi para o encontro acompanhado da esposa Lidiane Vieira, doutoranda em Epidemiologia da instituição, e da filha Lais Machado, de dois anos e nove meses. Segundo ele, levar a pequena para o evento é para que ela tenha contato com a luta e com o espaço.
— Ela vai ter muito mais horizonte do que eu, com mais possibilidades de estar aqui. O sonho dela é mais possível do que o meu — pontua.
Machado reforça que a ideia da primeira foto era fazer com que os negros se reencontrassem e percebessem a existência uns dos outros dentro da universidade, uma vez que, anos atrás, "era tão inatingível estudar na UFRGS".
— A partir do momento que a gente foi juntando as pessoas, percebemos que somos muitos. Poucos no total, mas é um valor que precisa ser reconhecido. E a foto consumava isso. Uma foto impensável uma década atrás, mas que se consolidou — destaca, apesar de reconhecer que, neste ano, por conta da pandemia, o evento contou com um número reduzido de pessoas em comparação com 2019, que juntou cerca de 400 participantes.
Uma das coordenadoras da pasta de aposentados do Sindicato dos Técnico-Administrativos da UFRGS, UFCSPA e IFRS (ASSUFRGS), Lais Camisolão carregava uma bandeira da entidade nas costas e motivava os participantes.
— Este momento da foto é extremamente simbólico para nós, pessoas negras, porque é uma universidade pública onde era muito difícil pessoas negras ingressarem. E foi com a política de cotas que nós conseguimos, de fato, entrar para a universidade — diz.
Os alunos
A juventude tomou o vão da Reitoria da UFRGS. E os jovens, com adesivos colados pelo corpo, queriam marcar o seu espaço dentro da universidade. Como o estudante de Relação Públicas Filipe Silveira, 22 anos, que reforça a importância da ação deste sábado.
— É para tirar a crença de que os negros não podem ocupar a UFRGS. Serve para mostrar que a gente pode estar aqui, sim — conta.
Também aluna de Relações Públicas, Maiara Ozório, 21, saiu de casa com a intenção de afirmar que a universidade é pública e é para todos.
— E isso é muito importante porque dá visibilidade de que, por mais que a UFRGS seja elitizada, a gente tem o nosso espaço. Essa foto expõe para o mundo que a UFRGS também é nossa — diz.
Emily Soares, 19, é estudante de Administração. Vinda de escola pública, ela acredita que o registro serve para colocar luz na diversidade:
— Sou pobre, sou preta e estar aqui é para mostrar representatividade de pessoas que são como eu e mostrar para elas que a faculdade pública é de todos. E, por isso, saí de casa no sol e na pandemia.
Já Lauren Oliveira, 19, estudante de Engenharia Química, contou que esperava pelo dia da foto desde quando entrou na UFRGS, no começo deste ano.
— A importância disso é gigantesca. Esperava por isso desde o primeiro dia, quando fiquei sabendo que tinha um momento especial para os negros aqui na universidade, que não são muitos, porque o espaço é predominantemente branco. Para mim é isso, ver que tem mais pessoas como eu e que eu não estou sozinha aqui nesta luta dentro da universidade. Vai me fortalecer pelo resto do semestre — garante.
Logo depois da foto, os participantes se organizaram para participar da Marcha Independente Zumbi Dandara, que também voltou a ser presencial nas ruas de Porto Alegre. A concentração aconteceu no Largo Glênio Peres e a caminhada seguiu até o Largo Zumbi dos Palmares.