Por Jorge Barcellos
Doutor em Educação (UFRGS)
Na última segunda-feira, a humanidade passou sete horas sem Facebook, Instagram e WhatsApp. E o que aprendeu com isso? O filosofo coreano Byung Chul Han sabe. Ele acaba de lançar o livro No Cosas (ainda sem tradução para o português), uma análise do significado da uso das redes sociais em nosso mundo. Não é a primeira vez que Han se dedica ao tema. Em No Enxame (Vozes, 2018), o enxame do título remete à nova massa social que surge com a internet e as redes sociais, a superação da maioria silenciosa de que já falava o sociólogo francês Jean Baudrillard.
Para Han, a hipercomunicação digital tem como efeito a formação de indivíduos isolados carentes de alma e de um sentimento de “nós” capaz de uma ação comum ou de seguir uma direção. Fim da era biopolítica descrita pelo filósofo Michel Foucault, ascensão de uma era psicopolítica digital na qual o poder intervém na psiquê, os grandes conglomerados proprietários do Facebook e Google trabalham para conhecer nosso desejo e dele tirarem lucro.
Em Nada, Han avança no diagnóstico da hipercomunicação digital. Agora, o apagão das redes sociais passa a ser o preço de viver o auge da aceleração e da instantaneidade. Nessa obra, o filósofo fala da internet como lugar da emergência desse nada das redes sociais, onde substituímos a violência do mundo por um reino de informação disfarçada de liberdade. Sem redes sociais, o mundo desaparece, mas ele na verdade já havia se esvaziado das coisas quando se encheu de informações porque a digitalização desmaterializa e suprime as memórias. Muitos se esqueceram de que bastava telefonar.
Han não é o primeiro a criticar a negatividade das redes sociais. Antes dele, o filósofo Paul Virilio definiu que chegaria a época do acidente integral, o momento em que o mundo dos algoritmos, nossa criatura, se vingaria de seu criador. Primeiro foi a ameaça do “bug do milênio”, no ano 2000, depois o risco do acelerador do Cern, a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, produzir um buraco negro, e agora a queda das redes sociais mostra que toda tecnologia produz seu acidente, como o trem produz o descarrilamento. A Bomba Informática, outra obra de Virilio, acaba de explodir, e essa não foi e nem será sua primeira vez.
Para Han, nos tornamos adictos das redes sociais, viciados pelo estímulo de surpresa. Sete horas sem estímulos é como ficar cego. Estímulos desestabilizam, para viver você precisa de estabilidade. “Não habitamos mais a terra e o céu, mas o Google Earth e a nuvem”, escreve Han. Sem o “chão” das redes sociais, você enlouquece, exatamente como aconteceu porque não sabemos mais como descansar num mundo de impulsos e informação. Somos todos infomaníacos, mas quando a informação prevalece, deixamos de usar as mãos naquilo que nos humanizava para usá-las no teclado que nos desumaniza: os computadores já cuidam de nós, superando o cuidado humano que definia a existência.
O homem é faber, e não phono. “O que as coisas se tornam quando a informação prevalece?”, pergunta Han. Precisamos usar as mãos em atividades criativas, e não digitais. Você cria uma cadeira e para para descansar. Isso resume sua humanização. Na digitalização, você não para para descansar, vive em atenção permanente, situação cuja consequência já foi tema de outra obra de Han: nos transformamos na Sociedade do Cansaço.
Han é herdeiro da análise heideggeriana segundo a qual o estar-no-mundo consiste em “manipular” coisas que devem ser usadas com as mãos, figura central na análise de Heidegger do Dasein, termo ontológico para homem que acessa o mundo circundante por meio das mãos, onde o mundo é uma esfera de coisas. Hoje é uma infosfera, esfera de informação. Não lidamos com as coisas passivas à nossa frente; nos comunicamos e interagimos com computadores. “O ser humano não é mais um Dasein, mas um relato que comunica e troca informações”, finaliza Han.
A infosfera não emancipa; é uma nova escravidão. Se a mão deixar de ser órgão de trabalho para ser instrumento de digitação, se preferirmos pressionar teclas para atender nossas necessidades, estaremos vendo o nascimento do Phono Sapiens, o homem que toca seu smarthphone com os dedos como se divertisse, algo que Han analisou em sua obra Bom Entretenimento. Fim da liberdade ligada ao trabalho e atividades, ela não está na ponta dos dedos, basta cair o sistema para vermos como somos prisioneiros.