Por Thomas Fuller
As papoulas vermelhas e roxas que essa família cultivava em uma montanha, há quase meio mundo de distância, estavam cheias da seiva gosmenta e intoxicante que sua mãe trocava por moedas de prata para alimentar os filhos e pagar para que escapassem. Adam Lee sorri ao se lembrar da infância no Laos em guerra e de sua viagem para os Estados Unidos, onde passou décadas para se habituar à vida em grandes cidades.
Agora, aos 47 anos, Lee voltou para as montanhas – as Trinity Alps, no norte da Califórnia – para cultivar outra planta que altera a mente: a maconha.
– Temos grandes sonhos – disse Lee do topo de uma colina com vista para sua fazenda de maconha.
Lee é parte de uma diáspora de cerca de mil famílias da etnia Hmong que vieram para este canto remoto e relativamente pobre da Califórnia para cultivar maconha.
O estado é lar da maior população Hmong nos Estados Unidos, com quase cem mil pessoas, cuja maior parte se estabeleceu no Vale Central. Na última década, muitos se mudaram para o norte, e outros vindos de todo o país estão migrando para esta parte da Califórnia para aproveitar o crescente comércio de cannabis.
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Eles são uma pequena mostra do que se tornou uma enorme indústria em todo o estado. No Condado de Trinity, estão revitalizando uma área rural complicada, que estava perdendo a população.
A legalização da maconha recreativa, em novembro, desencadeou uma corrida verde na Califórnia, que é um centro de cultivo de cannabis há décadas. Como os mineiros que chegaram aqui em busca do ouro e exploraram as mesmas colinas do norte da Califórnia há 150 anos, os empresários da maconha vieram na esperança de ganhar grandes fortunas.
Os hmongs, uma tribo que lutou ao lado da CIA em uma guerra secreta contra as forças comunistas no Laos na década de 1960 e 70, eram conhecidos por suas habilidades como agricultores de ópio e o comércio continua a financiar insurgências em uma região do Sudeste Asiático conhecida como Triângulo Dourado. Alguns hmongs aqui percebem que agora vivem em uma parte da Califórnia chamada de Triângulo de Esmeralda, graças ao próspero comércio de maconha.
Muita gente no estado vê o cultivo de cannabis como uma oportunidade comercial, mas para os hmongs, muitos dos quais tiveram dificuldades para se adaptar à Califórnia nos primeiros anos, essa é uma chance de voltar às suas raízes agrícolas e ao estilo de vida rural.
Para os mais velhos, que trabalharam como faxineiros e operários quando chegaram aos Estados Unidos, o ambiente bucólico ajuda a aliviar o trauma persistente da guerra e lhes permite estar entre parentes e amigos que estavam afastados.
– É a independência da vida livre; você pode viver da terra. Esta é a vida que eles deixaram para trás e de que tanto sentem falta – disse You Ping Vang, da etnia Hmong, que nasceu nos Estados Unidos e é o fundador da Lonestar Trade, uma empresa que vende a maconha cultivada aqui.
Em um país com mais de 85 por cento de brancos, os hmongs acabam chamando a atenção. Sua assimilação é ainda um trabalho em andamento, dizem os moradores.
– Já nos dedicamos muito a encontrar uma maneira de incorporar suas tradições – disse Debbie Miller, superintendente do Distrito Escolar Unificado de Mountain Valley, onde 30 dos 280 alunos são hmongs.
– Teve um tempo em que o número de matrículas caiu, mas aí eles trouxeram as crianças para nós. Espero que venham mais – disse ela.
Em novembro, a agricultora Bobbi Chadwick foi eleita para uma cadeira no Conselho de Supervisores sob o slogan Unite Trinity, visto como algo que pudesse unir os hmongs e a população branca. Chadwick fez amizade com seus vizinhos dessa etnia, organizou um banquete e comparou técnicas de abate.
– Seis homens vieram para a fazenda, e escolhemos dois porcos e uma cabra – disse ela.
Das selvas e dos campos de refugiados do Sudeste Asiático, os hmongs começaram a vir para os Estados Unidos a partir de 1975, durante a tomada comunista do Laos e da queda de Saigon. Chegaram pobres, desorientados pela sociedade industrializada que encontraram e, na maioria das vezes, com pouca instrução. Eles se espalharam por todo o país, em climas que eram estranhos para os habitantes de uma colina tropical, e enfrentaram longos invernos com temperaturas abaixo de zero em Minnesota e no Wisconsin, além do forte calor dos verões do Vale Central da Califórnia.
Mark E. Pfeifer, estudioso do Sudeste da Ásia e editor do Hmong Studies Journal, descreve-os como uma história de sucesso tardio de imigrantes, deixando a dependência da assistência do governo e encontrando nichos na economia americana, tais como restaurantes asiáticos em Michigan e o negócio de flores no estado de Washington.
Em 2015, o Departamento do Censo estimou que 285 mil hmongs estavam nos Estados Unidos.
Em uma área aqui chamada Trinity Pines, três montanhas conectadas por uma rede de estradas de terra desiguais, os hmongs mais velhos recuperaram seu estilo de vida familiar, cultivando pequenos lotes de terra em encostas íngremes.
Dirigindo sua caminhonete através dos Pines, Vang mencionou os estados de onde seus vizinhos hmongs vieram.
– Esses são do Alasca, aqueles outros são do Arkansas. Texas. Minnesota. Ele é do Wisconsin – disse Vang.
Seu pai, Neng Vang, trabalhou para a CIA como operador de rádio no Laos durante o que é conhecido como a Guerra Secreta. Era tenente do exército de Vang Pao, o líder do exército hmong anticomunista que trabalhou ao lado de conselheiros militares dos EUA.
– Nós nos espalhamos pelos Estados Unidos, norte, sul, leste, oeste – disse o Vang mais velho.
Agora, com 61 anos, fica feliz com alguns encontros aleatórios, onde há muita emoção. Ele encontra velhos amigos do exército, amigos de infância e primos que não via há décadas, todos que vieram a Hayfork para cultivar maconha.
Em um posto de gasolina na cidade, encontrou-se com outro oficial, seu antigo subordinado no Laos.
Em uma loja de jardinagem local, um velho colega de escola o parou.
– Ele me disse: "Pensei que você ainda estava no Laos, que tivesse morrido." Não nos víamos desde que viemos para cá – disse Vang.
Um visitante na fazenda dos Vangs pode ver coisas que lembram a pátria: na cozinha, há um cutelo ao lado de um corte de um tronco de pinheiro usado como tábua de carne; sobre o fogão, há uma panela em forma de ampulheta para cozinhar arroz. Há um pilão que serve para esmagar especiarias.
O Vang mais velho disse que, mesmo que os hmongs se sintam em casa no Condado de Trinity, ele não tinha certeza de quanto tempo ficariam. Os regulamentos que as autoridades municipais e estaduais impõem aos plantadores de maconha – cada lote plantado deve ter uma casa com determinadas especificações – estão fazendo muitos deles questionarem a futura rentabilidade do negócio. Pequenos produtores em todo o estado estão enfrentando produções em escalas muito maiores.
Os hmongs não são os primeiro asiáticos que se instalaram no Condado de Trinity durante um período de crescimento. Em Weaverville, a 45 minutos de carro de Hayfork, tudo o que sobrou da comunidade chinesa que veio durante a corrida do ouro do século 19 é um templo taoista que foi transformado em museu.
Vang disse que esperava que os hmongs fossem obter licenças e transformar o Condado de Trinity em um lar permanente.
– Se tivermos permissão para plantar, eles ficam – disse.