Por trás de uma das empresas de design mais bem sucedidas e premiadas do mundo, estão os irmãos Kelley. Tom, o mais jovem, ajudou o irmão David a erguer a Ideo, uma companhia de 30 anos com base no Vale do Silício, na Califórnia, e escritórios ao redor mundo. A empresa é responsável por criar soluções inovadoras para problemas em áreas diversas, como tecnologia, saúde e educação. Nos anos 1980, uma equipe da Ideo foi chamada por Steve Jobs para desenvolver um mouse para o Lisa, modelo de computador da Apple. Desde então, eles já tiveram clientes como Toyota, Samsung, HBO e outras gigantes do mercado.
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Autor dos livros Confiança Criativa, A Arte da Inovação e As 10 Faces da Inovação, Tom Kelley não é apenas uma referência para empreendedores, publicitários ou designers. Com a filosofia de que todos podem ser criativos, o americano instiga qualquer um a se tornar mais confiante na própria capacidade de criação e inovação na área em que atua. Por muitos séculos, criatividade era vista como algo restrito às artes, um dom divino. Kelley ajuda a quebrar esse mito e diz que essa capacidade está dentro de todos, mas talvez tenha sido bloqueada – seja pela cultura ou até mesmo pela escola – para incentivar lideranças e executivos a se conectarem com seu lado inovador.
Na Capital, Tom Kelley falou aos participantes do CEO Fórum 2016, da Amcham Porto Alegre, que ocorreu nesta semana, no Teatro do Bourbon Country, e concedeu entrevista a ZH.
As pessoas acreditam que não são criativas, que isso é coisa restrita para artistas, é isso?
A maioria das pessoas acredita que no universo há um pequeno círculo no qual ficam as pessoas criativas. E, claro, a maioria estaria fora do círculo. E essa é a essência da confiança criativa. Você não deve se perguntar: "Será que sou criativo e eu me encaixo nesse círculo?" A pergunta é: "De que maneira eu sou criativo?" Se você acha que só quem consegue desenhar bem é criativo, pois bem, pense, essas pessoas treinam todos os dias. Você não desenha desde a pré-escola. Todo mundo está dentro de algum círculo. É um caminho de autodescoberta. Se você acredita que está fora, é aí que surge a insegurança. Mas quando você cria seu próprio círculo para se encaixar dentro, isso é que é a confiança criativa. E são essas pessoas que enfrentam desafios maiores e conseguem fazer mais.
Você veio ao Brasil muitas vezes e algumas a Porto Alegre. O que você vê na cidade que chamou sua atenção? Qual a sua percepção?
Em geral, o Brasil é incrível. Sobre Porto Alegre: como a distância não tem mais importância, é bastante necessário pensar onde sua empresa ficaria. Se você fizesse móveis, teria de ficar perto da floresta, por exemplo, mas agora, com negócios digitais, você pode estar em qualquer lugar. Tel Aviv, em Israel, não está no centro do "nosso mundo", mas as empresas de tecnologia por lá estão realmente prosperando. É possível servir ao mundo sem sair de Porto Alegre. Isso é algo incrível para a comunidade empreendedora. Eu tenho uma sugestão ou uma ideia para a cidade. Quando uma empresa estrangeira pensa em vir para o Brasil, pensa em onde? Eu diria que 80% pensam em São Paulo, certo? São Paulo é um ímã para investimento estrangeiro e tira os talentos de outras regiões do Brasil. E se a cidade de Porto Alegre fosse a cidade mais amigável para a língua inglesa do Brasil, e se as placas fossem bilíngues? E se os contratos empresariais também fossem feitos em inglês? Eu passo muito tempo no Japão, e conheci o homem mais rico do país. Na empresa dele, todos falam inglês, mesmo se não há estrangeiros. Você acha que eu digo isso para os EUA? E o mercado coreano? E o mercado chinês? Eles podem pensar: "Bem, mas tem aquela cidade, Porto Alegre, em que todo mundo fala inglês". Como um amigo de Porto Alegre, eu digo, claro, que isso precisaria de muito esforço, mas seria uma ideia. Ah, eu recebo milhares de e-mails, e o meu favorito sobre um dos meus livros foi de alguém de Porto Alegre.
O que dizia?
Eu já recebi e-mails de pessoas contando toda a história de suas vidas, mas esse homem de Porto Alegre me mandou um e-mail de quatro linhas. A primeira era "Desculpe pelo meu inglês". E o resto dizia: "Eu tenho 39 anos e seu livro acende novamente meu fogo". Eu colei aquele e-mail no meu escritório, há 10 anos. É o único e-mail que eu já coloquei na minha parede. Quando você escreve coisas, você pensa: será que alguém leu? Esse e-mail realmente tocou meu coração.
Estamos no meio das eleições municipais, por isso, qual seria o papel do governo em incentivar a inovação?
É verdade, e vocês dão números a candidatos! Ontem eu falei sobre como o começo do Vale do Silício: no começo,era uma universidade e um professor! Não posso dizer o que seria ideal para o Brasil, mas para o início do Vale do Silício, o papel do governo era ficar de fora. Mas eu entendo que, em alguns, casos ajuda ter apoio do governo ou subsídios. O que foi feito pela Universidade de Stanford, poderia ter sido feito por um governo. Mas, sim, você definitivamente quer que o governo torne mais fácil a abertura de uma empresa. E quando se está competindo por talentos, é melhor fazer com que seja mais fácil abrir uma empresa aqui do que em qualquer outro lugar. Por exemplo: uma grande fábrica em Barcelona fechou há alguns anos e, ao invés de procurar outra grande fábrica para vir, eles começaram a incentivar a abertura de pequenas novas empresas. Hoje, a cidade tem um programa que incentiva e ensina empreendedores sobre negócios, como contratar pessoas, como fazer o imposto de renda. E agora, Barcelona tem uma comunidade de empreendedorismo muito robusta. Todo mundo lembra das empresas grandes, mas o futuro será feito de muitas pequenas empresas.
Você fala muito em empatia e humanidade para se pensar em novas soluções. Acredita que grandes, como Google, trabalham dessa maneira?
O Google tem um modelo de negócio como qualquer outro grande negócio, mas não olhe para a ferramente de busca ou venda de publicidade. Olhe para os experimentos que eles fazem, que são incríveis. Eles estão trabalhando atualmente com programas de tecnologia avançada, como uma jaqueta sem botões, mas você pode atender ligações com ela. Essa é a parte do Google que me anima. O resto é como qualquer outra grande empresa que precisa ganhar dinheiro. E eu acredito que é isso que grandes empresas devem fazer: usar do seu negócio principal para ganhar dinheiro e financiar outros experimentos.