Só de passar em frente ao número 850 da Rua São Manoel é possível perceber que alguma coisa mágica acontece ali. O muro remete a um bosque encantado, cheio de árvores e cogumelos vermelhos. Na entrada, a imagem de um leão de juba laranja e sorriso aberto faz a recepção. Para as crianças que entram no prédio, ele lembra que a arma para enfrentar qualquer adversidade está dentro delas mesmas.
– O leão significa coragem – diz Bernardo Pereira de Medeiros, nove anos.
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Quando o Instituto do Câncer Infantil (ICI) ficava na Rua Francisco Ferrer, o personagem de O mágico de Oz já inspirava Bernardo, que descobriu um linfoma há três anos, e outras centenas de crianças. Não podia ser diferente no novo Centro Integrado de Apoio, que será inaugurado oficialmente nesta quarta-feira no bairro Rio Branco – uma das maiores conquistas na história de 25 anos da instituição.
O prédio de 3 mil m² tem quatro andares e muito mais espaço para gerar assistência integral aos pacientes e suas famílias, com consultórios de especialistas, recreação (incluindo biblioteca, computadores e muitos brinquedos), área administrativa, brechó, central de doações, núcleo de voluntariado e até um laboratório próprio para ampliar as atividades de pesquisa realizadas há mais de duas décadas pelo ICI.
Ainda em construção, o Centro de Pesquisa Rafael Koff Accordi estudará alterações genéticas relacionadas à evolução do câncer infantil com o objetivo de descobrir novas estratégias no combate à doença.
– O novo centro de apoio é um espaço onde nós vamos poder ampliar o que já era feito e desenvolver novos programas e projetos que venham a somar para essas crianças e suas famílias – destaca o diretor-presidente do ICI, Algemir Brunetto.
No térreo, um painel denominado "Estrada de tijolinhos amarelos", outra referência à aventura de Dorothy e sua turma pela terra de Oz, homenageia os parceiros que colaboraram para a construção do prédio, bem como fazem as centenas de nomes grafadas nas paredes das escadas. Presidente do Conselho Deliberativo, Lauro Quadros atribui aos propósitos envolvidos e à credibilidade da instituição o sucesso na arrecadação dos R$ 9 milhões necessários para a obra, juntados durante quase 10 anos.
– Como qualquer instituição séria, o instituto tem suas metas. Mas essas metas são sempre superadas, sempre nos surpreende. E nada seria realizado se não fosse a credibilidade que tem diante da comunidade – explica, lembrando que o ICI tem apenas 65 funcionários e 450 voluntários.
Brunetto explica que a nova sede do instituto já está sendo utilizada desde janeiro, e, nos últimos meses, trabalhou-se na instalação de móveis, na decoração e na estruturação de projetos e programas de assistência. Nesta quarta, o prédio será apresentado para a imprensa no período da manhã, e, à noite, haverá uma solenidade para convidados e autoridades, com descerramento da placa e corte da faixa inaugural. Já no sábado, a partir das 14h, haverá, na rua, uma programação voltada à comunidade, com atrações como brechó da instituição, food truck, Orquestra de Brinquedo e apresentação dos gauchinhos do The voice kids.
Três exemplos de bravura
Bernardo já conhece a nova sede do Instituto do Câncer Infantil como a palma da mão. Passeando pelos corredores com uma energia que só uma criança de nove anos tem, nem parece o mesmo que chegou há três anos ao ICI, ainda no centro antigo. Fragilizado por causa do tratamento de um Linfoma de Hodgkin, ele precisava entrar no prédio carregado no colo pelo avô, Mauricio dos Reis de Medeiros, 59 anos.
Além das dificuldades impostas pela doença, a família de Viamão sofreu uma perda avassaladora na mesma época. Foi durante o tratamento de Bernardo que o pai do menino, filho de Medeiros, morreu em um acidente de moto a caminho do trabalho, com apenas 24 anos. O avô precisou juntar forças para manter a família nos trilhos, e os cuidados que o neto obteve no instituto ajudaram.
– A gente é bastante amado aqui – conta o avô.
Medeiros diz que hoje o neto está curado, mas precisa retornar ao Hospital de Clínicas para fazer exames a cada quatro meses – e daí o guri não perde a oportunidade de voltar ao instituto.
A criança também vai no dentista do ICI e acompanha a avó, que consulta psicólogo no centro. Bernardo não deixa de tirar um tempinho para jogar videogame na ala de recreação – que as crianças buscam explorar em cada pedacinho, como conta a voluntária Andréia de Mello, 47 anos. Nesta semana, ele ainda pegou emprestado um livro da biblioteca do ICI, Harry Potter e o cálice de fogo. O exemplar tem mais de 500 páginas, mas o menino está certo de que, "aos poucos", vai vencê-lo.
Outra usuária da biblioteca é Daniela Saueressig Gonçalves, 10 anos, que já leu todas as edições de Diário de um banana. A menina também aproveita os joguinhos nos computadores quando vai ao instituto para consultar com dentista, psicólogo e nutricionista ou para pegar remédios quando não consegue no posto de saúde.
Daniela enfrentou uma aplasia de medula quando menor, e hoje segue com acompanhamento. Há quatro anos, fez transplante de medula óssea – a irmã menor, Karen, fez a doação. No Hospital de Clínicas, uma assistente social indicou o instituto à família, onde retiraram cestas básicas e roupas. A mãe, Maristela Saueressig Gonçalves, 48 anos, aproveita para fazer oficinas de artesanato no ICI, onde já aprendeu a pintar panos de prato e a fazer encadernação – além de tomar um chimarrão e se distrair um pouco com amigas que conheceu ali, como Mara Regina Saraiva, 53 anos.
Mara é avó de Pedro Saraiva Garcia, seis anos, que tem a mesma doença que Dani teve, também fez transplante de medula e segue em tratamento. Ele tem ferimentos na pele em função de DECH (Doença do Enxerto Contra Hospedeiro) e queda de cabelo por causa do medicamento imunossupressor. Mas quando está na ala de recreação do instituto, ou correndo em área anexa com grama sintética, ao ar livre, Pedro não reclama de nada. Ele mesmo pede para ir ao ICI quando eles vêm de Pinheiro Machado, a seis horas da Capital, para receber o tratamento no Clínicas. O menino ganha força quando vai ao cabide de fantasias do espaço de recreação e veste um dos uniformes de super-herói.
– Porque a minha mãe sempre diz para ser corajoso – explica.
A miniatura de Capitão América olha no relógio do Grêmio (que usa apesar de ser colorado). Sem querer apressar, mas já apressando, alerta a repórter e encerra a entrevista:
– O Hulk está me esperando.