Os 40 segundos de um único abraço, entre lágrimas e afagos, encerraram quase 50 anos de espera do frentista João Batista Scheffer, 48 anos, de Cachoeirinha, pelo reencontro com a família biológica dele. O momento aguardado desde que foi entregue para doação, aos oito meses de idade em Santa Catarina, ocorreu em Xangri-Lá, no Litoral Norte, na manhã deste domingo.
– Bem-vindo, meu irmão. A gente te ama – balbuciou Geni Borba, 56 anos, agarrada ao frentista, a mais emocionada dos sete irmãos que o aguardavam no portão.
Tímido, João Batista quase não falou nos primeiros minutos enquanto era cercado pelos familiares. A cena o fez lembrar da primeira tentativa de aproximação da família, quando tinha 18 anos, e foi renegado pelos irmãos. Naquela vez, nem conseguiu cruzar o mesmo portão onde hoje foi recebido com faixas, cartazes e mensagens de carinho.
– Descobri, por acaso, onde eles moravam. Saí de Cachoeirinha sem avisar minha família adotiva. Quando cheguei a Xangri-Lá, soube que minha mãe biológica tinha morrido uma semana antes. Não quiseram me atender porque não sabiam direito da história, ainda estavam em choque com a morte da mãe, e fui mandado embora. Apenas a Geni, que lembrava do irmão doado, me abraçou antes da despedida – recordou João Batista.
Promessa
Desde aquele dia, o frentista prometeu que nunca mais reencontraria os irmãos. Casou, formou a própria família e jamais voltou ao Litoral Norte. No máximo, visitava Pinhal – a 51km de Xangri-Lá – com a mulher, Clide Scheffer, 44 anos, e as filhas Monique, 20 anos, e Vitória Alice, 14 anos, que hoje o acompanharam no reencontro com sete dos seus oito irmãos.
Na semana passada, porém, foi surpreendido pela mensagem via Facebook de uma sobrinha biológica que o procurava. Liliane Borba, 32 anos, realizou o desejo dos tios que, arrependidos, procuravam por João Batista há três décadas.
– Cresci ouvindo a história de que tinha um tio perdido. Não lembrávamos todo o nome dele. Até que a tia Geni conseguiu lembrar o sobrenome e eu pesquisei na internet. Encontrei a Clide e deu certo. Finalmente, a família ficará unida – comemorou Liliane.
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Para o frentista, a oportunidade de rever Geni e conhecer os demais lhe tirará as dúvidas que carregou ao longo da vida.
– Sempre senti um vazio e me perguntava o motivo de ter sido abandonado duas vezes. Darei um ponto final nesta angústia e, certamente, deixarei minha mãe biológica feliz. Esteja ela onde estiver – comentou o frentista, emocionado.
A história
Sem conter as lágrimas, Geni lembrou do dia em que o irmão foi levado de casa. Ela tinha oito anos e era a responsável por cuidar do bebê João Batista, que nasceu abaixo do peso e tinha poucas chances de sobreviver no Interior de Sombrio, em Santa Catarina. A mãe, num ato para tentar salvar o filho, o entregou a uma família com melhor situação financeira. Não imaginava que, na mesma semana, eles se mudariam para o Rio Grande do Sul – afastando a possibilidade de rever o filho.
– Na tarde em que ele foi doado, a mãe me mandou para a casa da vizinha. Quando voltei, o berço estava vazio. Comecei a chorar e a gritar "quero o meu bebê de volta", até que desmaiei. Me revoltei com a mãe e só a perdoei depois de adulta. Ele teria morrido se ficasse conosco, éramos muito pobres – afirmou Geni.
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Bem-te-vi no ninho
Depois da doação de João Batista, os pais, Rosa e Enedir, ainda tiveram outros três filhos. Toda a família mudou-se para o Litoral Norte gaúcho, onde moram em diferentes praias até hoje. Os filhos contam que Rosa sempre desejou reencontrar o bebê doado. Ela morreu aos 46 anos, devido a um infarto. Enedir, conhecido como Bem-Te-Vi, morreu há 12 anos, e, ao contrário da mulher, não falava sobre a doação. Em Xangri-Lá, todos os filhos são reconhecidos pelo apelido do pai.
– Finalmente, o passarinho que caiu do ninho voltou. A ninhada está completa! – comentou Pedro Borba, 44 anos, um dos irmãos de João Batista.
Amor incondicional
Cerca de 50 pessoas, entre irmãos, sobrinhos e amigos da família Oliveira Borba aguardavam os Scheffer no Litoral Norte com churrasco e muita música. A comerciária Liliane, que organizou o encontro, era a mais emocionada entre os sobrinhos. Foi ela quem preparou os cartazes de boas-vindas e as camisetas com a mensagem "amor incondicional". Filha do vidraceiro Cezar Borba, 58 anos, ela ainda escreveu uma mensagem que foi lida a João Batista:
"Hoje é dia de festa, dia de celebrar a união dos irmãos Borba. Estamos todos muito felizes em te receber de volta à nossa família. Agradecemos de coração pela família Scheffer que te acolheu quando mais precisaste, eles foram essenciais para que se tornasse esse ser abençoado. Queremos que se sinta em casa, assim como tua esposa, filhos e netos. Pelo que ficamos sabendo, ao longo da tua vida, você lutou muito, e sempre com a cabeça erguida. Assim, enfrentou todas as situações, com muita fé e perseverança, o que o fez este grande homem. Você é uma pessoa muito especial! Nada na vida acontece por acaso, tio. As alegrias chegam em um dia qualquer, somente para dizer-nos o quanto somos especiais. Devagarinho, sem data especial ou motivo. Amar é assim, faz com que mudemos nossa alma de roupa. Como é bom ter você ao nosso lado, Como é bom ter a chance de te amar, você é muito especial para todos nós. Os dias longe de ti pareceram uma eternidade, não existe nada a fazer, a não ser recuperá-lo. O que mais podemos te dizer? Simplesmente te amamos. Amamos muito! Te amaremos durante todas as nossas vidas."