Habituada às queixas dos colegas sobre o desinteresse dos alunos pela leitura, a professora Miriam Lia Cavalheiro Gusmão, 62 anos, também desgostosa com a pouca vivência dos jovens entre os livros, resolveu desafiar as turmas da Escola Municipal de Ensino Médio Emílio Meyer a, mais do que ler, criar. O projeto A Literatura na Voz dos Alunos: Produção de Audiolivros, que contabiliza até agora quatro CDs concluídos, é um dos vencedores da sexta edição do Prêmio Professor Excelência, promovido pela Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre.
O concurso destaca as melhores iniciativas de docentes nos três níveis da educação básica.
A partir dos conteúdos apresentados na disciplina de literatura, a professora incentivou a escolha dos temas de maior interesse para a produção de pequenos livros, que mesclam textos produzidos pelos estudantes da instituição do bairro Medianeira e também extratos de obras de escritores de diferentes épocas. Miriam pediu "voz de veludo" nos ensaios e nas gravações em estúdio, e até os mais tímidos se aventuraram na novidade. A professora saudou a possibilidade de resgatar, entre adolescentes, um hábito geralmente restrito à infância.
- O compartilhamento de leituras é um momento mágico. É uma pena quando as crianças se alfabetizam e a gente abandona a prática - conta Miriam.
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Desde o ano passado, foram concluídos os audiolivros Poesia Brasileira de Sempre e de Todos, Augusto dos Anjos: Um Poeta Singular, A Mulher na Literatura Brasileira - Parte 1, destacando a prosa do romantismo e do realismo, e Lendas do Extremo Sul, volume que explora histórias sobre escravos, personagens históricos, mistérios e assombrações. De posse dos CDs, os autores partiram para a etapa de ação social prevista no projeto, visitando locais onde se identificaram dificuldades de acesso à palavra escrita, como escolas especiais e casas geriátricas. Os alunos falaram sobre o processo de produção e tocaram faixas dos discos.
- Nosso interesse é que eles se sintam cidadãos - explica Miriam.
A receptividade manifestada pelo público vem empolgando participantes.
- Vi a gratidão deles ouvindo o nosso audiolivro - comenta Fabíola Silva de Salles, 18 anos, do 3º ano, depois de conhecer um lar para idosos.
Dois novos títulos em produção
Larissa Oliveira da Luz, 18 anos, também cursando o último ano do Ensino Médio, conta que antes era avessa à leitura por conta de narrativas que utilizavam um vocabulário pouco usual. A tarefa escolar se provou transformadora.
- Hoje gosto de Machado de Assis, Clarice Lispector. Antes tinha pavor só de ouvir falar. Pensava em ler e já ficava com medo - recorda Larissa.
Dois novos títulos estão em produção neste semestre, e a ideia é incluir hospitais no roteiro de visitas.
Pequenos escritores
Fabiana Silva Rzytki, 33 anos, concedeu aos alunos o protagonismo de uma tarefa geralmente conduzida pelo professor: crianças de três e quatro anos confeccionaram o Diário do Maternal 2, documentando um período da aprendizagem na Escola Municipal de Educação Infantil Ilha da Pintada, no bairro Arquipélago. O projeto conquistou o primeiro lugar na categoria Educação Infantil do Prêmio Professor Excelência.
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A inspiração surgiu com o livro Diário sem Data de uma Gata, de Dilan Camargo. Depois de explorar a história em sala de aula, os 20 meninos e meninas ajudaram a customizar um caderno e passaram a se dedicar, sentados em uma rodinha no chão, diariamente, ao relato das atividades. Os pequenos discutiam o que deveria ser escrito pela professora e escolhiam fotos, desenhos e recortes para ilustrar as páginas. O Diário do Maternal 2 recebeu o registro de brincadeiras, passeios, pequenos conflitos, impressões do cotidiano. "Ontem eu vi um passarinho voando", ressaltou Victor. "Gostei de brincar aqui na creche", contou Thifany. "Eu dormi lá no cinema", confessou Valentina.
- As crianças também gostam de se enxergar, pertencer a um grupo. Até os mais tímidos começaram a participar. Eles passaram a ser escritores também, a escrever a história deles. É o olhar deles - salienta Fabiana.
A educadora utilizou habilidades e conceitos fundamentais aos primeiros anos da trajetória escolar: negociação, autonomia, organização, respeito às regras, compartilhamento de materiais. As crianças pegaram gosto pela prática, que acabou envolvendo outras turmas de estudantes, funcionários do colégio e famílias, todos convidados a enviar contribuições ao diário. Concluído o ano letivo, a biblioteca ganhou o produto final com as memórias coletivas do Maternal 2 de 2014.
- Gosto de ouvir as crianças. A partir dessa escuta, entendo o contexto delas. É importante registrar essas memórias. Temos que acreditar no potencial das crianças e incluí-las nesse processo de documentação - afirma a educadora.
Mais presença em aula
Uma constatação deixou apreensivos os professores da Escola Municipal de Educação Básica Dr. Liberato Salzano Vieira da Cunha, no bairro Sarandi, na metade do ano passado: dezenas de alunos já eram considerados infrequentes, correndo o risco de uma iminente reprovação quando ainda faltavam dois trimestres pela frente. Com um período livre na agenda, a professora de Ciências Daniela Giuliano Fonseca Fagundes, 47 anos, voluntariou-se para coordenar uma atividade envolvendo esses estudantes no turno inverso ao das aulas, recuperando conteúdos perdidos. Nascia o projeto Recuperação de Faltas, campeão da categoria Ensino Fundamental.
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Primeiro, Daniela conversou com os alunos para saber a razão das ausências (que não foram abonadas). Para a maior parte deles, a justificativa estava relacionada à desorganização familiar. Às vezes, o pai ou a mãe conseguiam um emprego temporário e precisavam deixar os filhos pequenos aos cuidados dos mais velhos, que acabavam impedidos de ir à aula. Em outras situações, o aluno continuava dormindo depois que os pais saíam de casa para trabalhar, e outros alegaram não ter dinheiro para a passagem de ônibus, sentindo-se desencorajados a enfrentar a caminhada quando chovia ou esfriava demais.
A professora elegeu como tema a sustentabilidade, abordada sob a perspectiva de diversas disciplinas do currículo. Focando na ideia de transformação, os estudantes resgataram trechos da história pessoal de cada um, discutiram seus papéis em diferentes ambientes de convivência (escola, bairro, cidade, país, mundo) e a importância de preservar o planeta. Com porções de óleo de cozinha usado trazidas de casa, produziram sabão líquido e em barra.
- Eles disseram que precisavam de um olhar diferente, de alguém que desse atenção, precisavam conversar. O retorno foi bastante positivo, afetiva e pedagogicamente - afirma Daniela.
Dos 79 participantes com excesso de faltas que compareceram aos encontros, 68 conseguiram reverter o mau desempenho e foram aprovados ao final de 2014. Neste ano, a professora vem dedicando três períodos semanais a essa iniciativa. Quando a
frequência melhora, o aluno é liberado do projeto.
- Os pais também se reaproximaram da escola - comemora Daniela.
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