Acordaram e foram atrasados para o banho. Mentira, enrolaram mais um pouco e dançaram de novo, porque se já estavam atrasados, o que seria mais uma dança? Então dançaram.
Então sim, daí levantaram e foram para o banho, ainda suados, os corpos ainda quentes. Como era verão em Porto Alegre, ela recomendou o banho de água fria. Eram carinhosos um com o outro e ela se preocupava com a predileção dele pelo prazer da água quente relaxando os ombros.
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Mas a água ia boa e, com sabonete nas quatro mãos, começaram o banho. "Vira de costas pra mim?", ela disse, inocente. Ele virou de pronto. Com as duas mãos espalmadas, começou a ensaboar o corpo do amigo (não sabiam como se chamar, não sentiam necessidade de encontrar um nome). De repente, um "ai" baixinho, bem onde a mão dela encontrou um vergão.
"Acho que dessa vez passei do ponto, hein?". Ela riu solta, ele riu um tanto tenso. E qual a razão da disparidade dos dois risos?
A rotina dos relacionamentos modernos pode ajudar a esclarecer a diferença. Na rotina de hoje, com tanta novidade e descobrimento, e encontros e pegações, não é nada difícil imaginar que mulheres e homens tenham mais de um parceiro lhe aquecendo a cama.
Já diria a linda, leve e solta MC Mayara, em seu funk Teoria da Branca de Neve: "de segunda a domingo, nenhum deles se repete. Teoria da Branca da Neve: por que só ter um, se eu posso ter sete?". E é bem esse o drama de quem sai da casa de um parceiro com uma marca indisfarçável de tesão nas costas, nas coxas, no peito, no pescoço ou onde quer que seja. Como explicar no próximo encontro aquele roxo, aquele arranhão?
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Há quem vá responder a pergunta retórica - sim, porque eu não tenho nenhuma ideia de como respondê-la de modo final - com um simples "não explica, ué?" ou "quem quiser que ache ruim, não tenho compromisso com ninguém e faço da minha vida o que eu quiser". Sim, vocês também estão certos. Mas há o receio de uma interpelação, de um "o que é isso aqui?" ou "a noite de ontem foi boa, hein?". Meio como o Caetano - sempre ele - diz em Mora na Filosofia: "Se seu corpo ficasse marcado por lábios ou mãos carinhosas, eu saberia (ora, vai, mulher) a quantos você pertencia". E nem sempre é uma questão só de pertencimento, embora se passe por ali também. Li outro dia na Time que está cada vez mais complicado definir quando começa um relacionamento de fato. Então não se pode ter certeza do que se vai ouvir. Inclusive há a chance de não se ouvir nada, claro.
No fim, esse artigo é mais um chamamento à questão: estamos tão prontos assim para a vida livre e desimpedida? Para propor limites à privacidade ou lidar com cara de pau de dizer um "er, não sei do que você está falando, vem cá, vem?"? Pior, desejaremos limitar os agarros, tapas, mordidas e arranhões a que o sexo nos expõe? Já se foi, em parte, o tempo em que a maior preocupação do dia seguinte era esconder o chupão no pescoço da mãe carola ou dos colegas de trabalho fãs de um bullying. Como responder as perguntas acima, taí uma missão individual e intransferível.
Coluna do Pedro
Estamos prontos para viver múltiplos relacionamentos de forma livre e desimpedida?
Pedro Jansen, colunista de Donna, fala sobre a rotina das relações modernas
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