
"Não acontece nada" era uma queixa frequente dos fãs de The White Lotus durante a terceira temporada da série criada e dirigida por Mike White. No oitavo e último episódio, lançado no domingo (6) pela plataforma Max, talvez tenha acontecido demais. Em vez de apenas descobrirmos quem morreu e quem matou, assistimos a uma matança que deixou cinco corpos em um resort de luxo na Tailândia.
Antes de entrarmos no terreno dos spoilers, concordo com praticamente todo mundo: a primeira e a segunda temporadas foram bem mais atraentes e consistentes. Mas também me alinho a uma minoria: acho que a sensação de "não acontece nada" casava bem com um dos temas abordados por White — o conflito entre corpo e espírito que pode nos paralisar.
Desejo sexual foi uma questão proeminente em The White Lotus 3. De certa forma, o que Mike White fez ao longo de sete episódios foi atiçar o público para um final extasiante. E, de fato, os quase 90 minutos de duração do epílogo da terceira temporada foram repletos de momentos que costumam proporcionar prazer (ou algo parecido): catarse, reviravolta, morte, vingança, redenção. Houve até ressurreição.
Mas nosso embalo foi cortado por um descuido ligado justamente ao clímax.
ALERTA DE SPOILERS.
No penúltimo episódio, Rick, o personagem de Walton Goggins, finalmente encontrou o homem que teria assassinado seu pai. Trata-se de Jim Hollinger (o veterano Scott Glenn, 86 anos), um dos donos do White Lotus tailandês, ao lado de sua esposa, Sritala (Lek Patravadi). O plano de Rick ao viajar para Bangkok era matar Jim, mas ele acabou somente ameaçando-o e derrubando-o antes de fugir da mansão do bilionário.
No episódio final, para espanto generalizado do público, Rick apareceu tranquilão para tomar café da manhã no White Lotus. O reencontro com Jim acabou provocando um tiroteio no qual morreram o próprio Rick, sua namorada, Chelsea (Aimee Lou Wood), o proprietário do resort de luxo e dois seguranças. Depois de matar Jim, o personagem de Goggins ouviu de Sritala uma revelação chocante, mas digna de novela mexicana: era ele seu verdadeiro pai.
Toda essa situação exigiu demais da nossa suspensão da descrença. No X, o antigo Twitter, muita gente reclamou: "Por que diabos Rick teria voltado para o hotel do cara que ele acabou de agredir?", escreveu um usuário. "Por que Rick ainda está no hotel?!? Ele tentou assassinar o marido da dona! Saia do país!", disse outro. "Sinto muito, mas o fato de Rick ter voltado para o hotel em vez de simplesmente dizer a Chelsea para fazer o check-out e encontrá-lo em Bangkok foi INCRIVELMENTE estúpido para mim", sentenciou um terceiro.

Esse não foi meu único desapontamento com o final da terceira temporada. Eu gostaria, por exemplo, que o segurança Gaitok (Tayme Thapthimthong) tivesse conseguido manter sua recusa à violência, o que tornaria o desfecho de Rick ainda mais trágico: ele teria de viver com a culpa pela morte do pai e da namorada.
Por outro lado, foi uma surpresa positiva ver a massagista Belinda (Natasha Rothwell) negociar com o milionário Greg (Jon Gries) seu silêncio sobre a morte suspeita da esposa dele, Tanya (Jennifer Coolidge), na segunda temporada. O acordo, por US$ 5 milhões, reforçou a crítica de Mike White ao poder corruptor do dinheiro: até princípios éticos e morais têm preço, até a integridade pode ser comprada.

Mas o grande momento do final de The White Lotus 3 foi um pequeno monólogo de Victoria Ratliff, a personagem interpretada por Parker Posey. Aliás, acho que dois monólogos fizeram valer toda a terceira temporada.
O primeiro, mais longo e já antológico, foi aquele proferido no quinto episódio pelo ator Sam Rockwell, na pele de Frank, um antigo amigo de Rick. Frank conta de seu calcanhar de Aquiles, o sexo, motivo de sua mudança para a Tailândia, onde, após se tornar insaciável, começou a refletir sobre sua volúpia e descobriu que o que realmente queria era "ser uma dessas garotas asiáticas sendo fodidas por mim". Suas reflexões acabaram levando-o à abstinência e ao budismo, "que é todo sobre espírito versus forma, desapegar-se de si mesmo, sair do carrossel sem fim de luxúria e sofrimento".
O monólogo de Victoria é bem curtinho, mas igualmente brilhante e provocador. Depois que sua filha, Piper (Sarah Catherine Hook), revela que desistiu de renunciar à riqueza e ao conforto e se juntar a uma comunidade budista, a mãe a acolhe e faz uma declaração que resume nossos sentimentos conflitantes — fascínio e repulsa — pelo mundo dos super-ricos:
— Ninguém na história desse mundo viveu melhor do que a gente vive. Nem os antigos reis e rainhas. O mínimo que a gente pode fazer é aproveitar. Caso contrário, é até ofensa. É uma ofensa aos bilhões de pessoas que podem somente sonhar em um dia viver como a gente vive.
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