
Um dos maiores papos-furados de Hollywood foi a aposentadoria de Steven Soderbergh, diretor de Código Preto (Black Bag, 2025), filme estrelado por Michael Fassbender e Cate Blanchett em cartaz a partir desta quinta-feira (13) nos cinemas.
Ganhador da Palma de Ouro no Festival de Cannes por Sexo, Mentiras e Videotape (1989), vencedor do Oscar de melhor direção por Traffic (2000) — quando competiu contra ele mesmo, por Erin Brockovich (2000) —, criador da trilogia iniciada por Onze Homens e um Segredo (2001) e realizador da cinebiografia em duas partes Che (2008), Soderbergh anunciou em 2011 que sairia de cena. Antes de parar, lançou cinco filmes, incluindo Contágio (2011), Magic Mike (2012) e Minha Vida com Liberace (2013).
O afastamento não durou muito. E seu ritmo de trabalho está tão ou mais intenso do que antes. Depois do seriado The Knick (2014-2015), Soderbergh fez três minisséries e 10 longas-metragens, incluindo Distúrbio (2018), High Flying Bird (2019), A Lavanderia (2019), Nem um Passo em Falso (2020), Kimi: Alguém Está Escutando (2022) e Presença (2024), que estreia nos cinemas no dia 3 de abril.

Nessa retomada, Soderbergh, hoje com 62 anos, vem exercitando suas marcas: a versatilidade nos gêneros, o gosto pela câmera digital (que reduz custos e permite experimentações), a junção de entretenimento com reflexão sobre questões sociais, políticas, econômicas, ambientais, sanitárias etc. Em Distúrbio, por exemplo, ele usou um iPhone 7 para engendrar planos claustrofóbicos e ângulos distorcidos enquanto faz um assustador comentário sobre mulheres acossadas por relacionamentos tóxicos e sobre o sistema de saúde dos Estados Unidos.
Em Código Preto, o cineasta acompanha um grupo de agentes secretos britânicos que devem lidar com a iminência de uma catástrofe nuclear por causa de um ato de traição — alguém entregou para os russos um dispositivo de segurança conhecido como Severus. Apesar da tensão mundial causada pela guerra na Ucrânia, pelo conflito entre Israel e o Hamas e pela beligerância de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos, Soderbergh deixou de lado qualquer preocupação, qualquer tema sério: resolveu apenas brincar com os elementos característicos dos filmes de espionagem.
O roteiro foi escrito por David Koepp, que já tinha experiência na área — trabalhou nos scripts de Missão: Impossível (1996) e Operação Sombra: Jack Ryan (2014). A cena de abertura, ambientada em uma boate de Londres, apresenta o personagem interpretado por Michael Fassbender, George Woodhouse, trajado à la início dos anos 1960, com gola rolê, óculos de armação preta e cabelos com gomalina. Ele está à procura de um sujeito chamado Meechum, que tem uma bomba — metaforicamente: existe um traidor no serviço de inteligência e, por causa do Severus, milhares de pessoas vão morrer. Meechum informa que há cinco suspeitos, e entre eles está a esposa do protagonista, Kathryn St. Jean (Cate Blanchett, com sotaque carregadíssimo).
Será que George, que se orgulha de farejar uma mentira, vai se deixar cegar pela devoção a Kathryn? A quem o agente secreto é mais leal: à esposa ou ao país? Um bom casamento é construído com base na honestidade ou na aceitação mútua de que mentiras são necessárias?
Esse ponto de partida sugere um filme de ação, drama e suspense, mas o diálogo de George com Meechum já indica que Código Preto se inclina bem mais para a comédia de farpas irônicas embaladas com estilo, chiqueza e sensualidade, dos figurinos de Ellen Mirojnick à trilha sonora de David Holmes, passando pela direção de fotografia e pela edição assinadas por Soderbergh sob seus habituais pseudônimos (Peter Andrews e Mary Ann Bernard).
Uma das piadas, por exemplo, é a escalação de Pierce Brosnan, que encarnou James Bond de 1995 a 2002, como um burocrata. O Severus, por sua vez, é apenas um MacGuffin, o importante objeto insignificante que Alfred Hitchcock gostava de empregar, no fundo irrelevante para o andamento da trama.

A graça está nos "jogos de mesa" _ um eufemismo para tortura psicológica — que George empreende para tentar descobrir o traidor ou a traidora. O casal convida os outros quatro suspeitos para um jantar, antes do qual o marido adverte a esposa: "Evite a chana masala". Um deles é o mulherengo Freddie Smalls (Tom Burke), que está saindo com uma jovem especialista em vigilância, Clarissa Dubose (Marisa Abela) — que, por sua vez, parece ver o teste do polígrafo como um afrodisíaco. Há ainda o militar blasé James Stokes (Regé-Jean Page) e a psiquiatra Zoe Vaughan (Naomie Harris, ela também egressa dos filmes de 007). Ninguém é santo ali, e todos têm algo de ruim a dizer sobre o outro. Sobretudo em relação à vida sexual de cada um.
Steven Soderbergh busca uma aproximação com as histórias de John Le Carré (1931-2020), que deram origem a filmes como O Jardineiro Fiel (2005) e O Espião que Sabia Demais (2011). O escritor britânico mostrava como os segredos, as mentiras e as traições inerentes à profissão influenciavam a vida pessoal dos agentes secretos. Código Preto tenta apresentar isso, mas está tão enamorado da forma e da palavra que cria um duplo distanciamento: o dos personagens com suas angústias e o do espectador com os supostos conflitos dramáticos. É bonito de ver e pode até provocar algum riso ou mesmo alguma excitação, mas é um filme muito superficial, muito efêmero.
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