
Depois de ganhar o Oscar de melhor ator por Oppenheimer (2023), uma superprodução que custou US$ 100 milhões, traz cerca de 80 nomes no elenco e tem três horas de duração, Cillian Murphy resolveu protagonizar um filme de orçamento modestíssimo — US$ 3 milhões —, que empregou pouco mais de 30 atores e atrizes e dura menos do que cem minutos. É o drama irlandês Pequenas Coisas Como Estas (Small Things Like These, 2024), do diretor Tim Mielants, que tem sessões de pré-estreia no Cinesystem Bourbon Country até quarta-feira (12), no horário das 18h30min, e entra em cartaz na quinta (13).
Trata-se de uma adaptação do romance homônimo de Claire Keegan, que venceu em 2022 a categoria de ficção política do Orwell Prize, premiação concedida por uma organização que busca "perpetuar as conquistas" do escritor britânico George Orwell (1903-1950), autor de A Revolução dos Bichos (1945) e 1984 (1949). O título faz referência às pequenas coisas que formam uma vida: algumas nos enchem de alegria e orgulho, outras nos envergonham ou nos recusamos a ver.
A trama se passa na cidadezinha de New Ross, na Irlanda, na época do Natal de 1985. Cillian Murphy interpreta Bill Furlong, pai de cinco meninas e um respeitado comerciante de carvão. Sempre que volta para casa, precisa de um longo tempo à pia para conseguir tirar toda a sujeira das mãos. É uma imagem que permite vislumbrar o dilema a ser imposto ao protagonista: haverá ritual capaz de deixá-lo em paz consigo mesmo depois da descoberta que trouxe da rua?

Isso acontece no dia em que Bill sai para fazer suas entregas mais cedo do que o habitual. Quando abre o galpão de carvão do convento local, ele encontra lá, trancada sob temperaturas congelantes, uma adolescente, Sarah (Zara Devlin). A garota diz que terá que dar à luz lá em cinco meses. Bill leva Sarah para dentro do convento, onde as freiras se apressam a acolhê-la, e depois são recebidos no escritório da Madre Superiora, a irmã Mary (Emily Watson).
A conversa deixa Bill ainda mais perturbado. Agora, confrontado também com as lembranças de um trauma de sua infância, revivido em flashbacks, ele terá de decidir sobre como lidar com as possíveis consequências caso não queira silenciar — vale frisar que a comunidade é profundamente marcada pela influência da Igreja Católica, o que se faz acompanhar pela hipocrisia, pelo medo e pela repressão. O filme pergunta a seu protagonista e a seu espectador o tempo todo: qual é o preço de se fazer a coisa certa? E quanto custa não fazê-la?

Como veículo dessa angústia, Cillian Murphy tem uma bela atuação, calcada sobretudo no olhar — é impressionante o quanto o ator consegue transmitir sem dizer uma única palavra. Emily Watson, indicada ao Oscar de melhor atriz por Ondas do Destino (1996) e Hilary e Jackie (1998), também assombra no papel da irmã Mary, a personificação de um grande pecado da Igreja Católica e da Irlanda: as Magdalene Laundries (lavanderias de Madalena), conhecidas como os asilos de Madalena.
Existentes desde o século 18 até 1996, eram instituições que abrigavam mulheres "perdidas" ou "caídas" — mães solteiras, doentes mentais, prostitutas, contestadoras, vítimas de estupro ou simplesmente moças consideradas "sedutoras"; enfim, pessoas que o status quo misógino rejeitava. Nesses lugares, estima-se que 30 mil irlandesas foram praticamente transformadas em escravas. Lavavam roupas, costuravam, rezavam e, durante longos períodos do dia, não podiam dar um pio, sob risco de castigo físico. Quando morriam, muitas eram secretamente enterradas em covas sem identificação dentro do terreno dos conventos.

A história já havia sido retratada em um filme contundente que ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza, Em Nome de Deus (2002), dirigido por Peter Mullan e centrado em quatro mulheres mandadas para um asilo de Madalena na década de 1960. Uma das personagens foi encarnada por Eileen Walsh, que faz o papel da esposa de Bill Furlong em Pequenas Coisas Como Estas.
Também inspirou o terror A Maldição da Freira (2018), de Aislinn Clarke, em que dois padres são enviados pelo Vaticano para investigar e documentar (daí as filmagens no estilo found footage) um suposto milagre em um desses asilos: uma Virgem que chora sangue. Eles acabam encontrando uma adolescente grávida com sinais de possessão demoníaca.
O último asilo de Madalena na Irlanda foi fechado apenas em 1996. Em 2011, houve um pedido de inquérito da comissão da Organização das Nações Unidas (ONU) contra tortura, e, em 2013, um pedido de desculpas pelo então primeiro-ministro, Enda Kenny.
O roteirista de Pequenas Coisas Como Estas, Enda Walsh, comentou:
— Muitas pessoas olharão para a Igreja como a vilã desta história, mas a coisa mais difícil de olhar é a cumplicidade de uma sociedade inteira contra essas jovens, o que permitiu que fossem tratadas dessa forma.
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