
Não Fale o Mal (Speak No Evil, 2024), que estreia nesta quarta-feira (12) no Amazon Prime Video, é um filmaço de terror que foi duplamente sabotado pelo trailer — se você ainda não viu, evite.
A propaganda matou a alma do negócio. Não é à toa que, no cartaz do filme dirigido pelo inglês James Watkins, de A Mulher de Preto (2012) e do episódio Shut Up and Dance (2016) da série Black Mirror, o ator escocês James McAvoy aparece com o dedo indicador da mão direita à frente dos lábios, fazendo o gesto de silêncio. Quanto menos se souber do desenrolar da trama, maior a tensão. Mas o trailer conta demais e expõe, cronologicamente, momentos cruciais.
A segunda sabotagem tem a ver com o clima de Não Fale o Mal, o ritmo narrativo. O trailer dá a entender que vamos entrar em uma agitada montanha-russa, mas, para o bem do filme, o desconforto, o perigo e o terror vão sendo construídos paulatinamente.

Tudo começa durante uma temporada de férias na Itália. Ben Dalton (interpretado por Scoot McNairy, o Woody Guthrie de Um Completo Desconhecido), sua esposa, Louise (Mackenzie Davis, do episódio San Junipero de Black Mirror e da comédia dramática Tully, aqui perfeita no papel), e a menina Agnes são estadunidenses atualmente radicados em Londres. A primeira cena, à beira de uma piscina, desenha bem o conflito latente do casal: ela é afeita a regras, sobretudo para proteger a filha, que, aos 11 anos, ainda precisa da companhia de seu coelhinho de pelúcia; ele vislumbra uma vida mais animada em outra família de turistas, o espalhafatoso Patrick, o Paddy (James McAvoy, extremamente à vontade no personagem), a sexy Ciara (Aisling Franciosi, de Imperdoável) e o garoto Ant.
Nas ruazinhas e nos restaurantes italianos, as duas famílias aproximam-se, e surge o convite para os Daltons passarem um fim de semana na casa de campo de Paddy e Ciara, na Inglaterra. A partir daí, Não Fale o Mal ilustra como se comprometer com a civilidade pode ser perigoso — em nome de convenções sociais, anulamos os instintos, a intuição, e permitimos a invasão de nossos limites. Reflete sobre a aptidão humana para se meter na criação dos filhos dos outros. Ironiza ideais da sociedade contemporânea, como o vegetarianismo e a tolerância. Encena diálogos dolorosos sobre as concessões que fazemos nos relacionamentos. Retrata como pode ser explosiva a combinação da masculinidade frágil (Ben) com a masculinidade tóxica (Paddy, que, a certa altura, empresta ao primeiro o livro Liberte o Caubói que Há em Você). Perturba o tempo todo, ora porque nos colocamos no lugar dos personagens, ora porque nos revoltamos com suas decisões erradas.

Junte tudo isso a um bom elenco e à competência técnica (incluindo a trilha sonora da dupla Danny Bensi e Saunder Jurriaans) e temos um filmaço de terror. Mas que, na verdade, não precisava ter sido feito. Afinal, trata-se da refilmagem de um longa-metragem bem recente, o dinamarquês homônimo Não Fale o Mal (Gaesterne, 2022), disponível na plataforma Reserva Imovision.
Mais do que isso: o título bancado pela produtora estadunidense Blumhouse, a mesma das franquias Atividade Paranormal e Sobrenatural e do oscarizado Corra! (2017), empalidece na comparação com o original, escrito e dirigido por Christian Tafdrup.
ALERTA DE SPOILERS.
ALERTA DE SPOILERS.
ALERTA DE SPOILERS.

Encontramos no Não Fale o Mal dinamarquês tudo o que Não Fale o Mal hollywoodiano tem de bom, mas com vantagens e diferenças importantíssimas. Nada contra o desempenho de James McAvoy na refilmagem, mas, na obra dinamarquesa, o ator holandês Fedja van Huêt assombrava mais no papel de Patrick justamente por se permitir a tolice ou a vulnerabilidade, enquanto o astro escocês enche a tela com seus braços musculosos e seu olhar alarmante.
O diretor Christian Tafdrup, por sua vez, emprega uma visão mais amarga e mais seca. Já James Watkins adota um olhar tipicamente hollywoodiano, oferecendo pistas, explicações e (ÚLTIMO ALERTA SOBRE SPOILER), fundamentalmente, segurança. A eterna fantasia da reviravolta, a mítica segunda chance. Ainda que seja efetivamente catártico, o final do Não Fale o Mal de 2024 vai na contramão da história original, quebrando a lógica narrativa e privando o espectador de um dos epílogos mais dilacerantes que eu já vi. É uma pedrada.
Em entrevista ao site Games Radar+, o cineasta procurou justificar a mudança no final: "Já fiz um filme incrivelmente sombrio antes, então não senti que precisava fazer outro. Você pode proporcionar às pessoas um passeio de montanha-russa totalmente tenso, mas que seja divertido. Diversão entre aspas, é claro. Mas as pessoas precisam de diversão".
Em outras palavras, Watkins entende que o público precisa sair da sessão de Não Fale o Mal com alguma esperança de que o bem pode vencer o mal. Pelo menos na ficção, não importando quantos erros cometa e com quase nenhum arranhão.
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