
Não era só um dever do ofício assistir a Branca de Neve (Snow White, 2025), que estreou nos cinemas na quinta-feira (20). Era também um compromisso familiar, afinal, nossas filhas cresceram acompanhando as aventuras das princesas da Disney. Aliás, nossa caçula se chama Aurora, como a Bela Adormecida, porque a irmã mais velha, a Helena, queria homenagear uma de suas heroínas — só que, por ela, o nome seria Rapunzel.
A Helena e a Aurora não têm nada contra a interminável onda de refilmagens dos clássicos desenhos animados da Disney. Atualização de Branca de Neve e os Sete Anões (1937), o primeiro longa-metragem do estúdio, Branca de Neve já é a 20ª versão com atores ou em estilo realista das animações desde Alice no País das Maravilhas (2010), que arrecadou US$ 1 bilhão e deu sinal verde para novas produções. Outros três filmes tiveram renda bilionária: A Bela e a Fera (2017), Aladdin (2019) e O Rei Leão (2019), atualmente a décima maior bilheteria de todos os tempos, com US$ 1,66 bilhão. E em breve virão Lilo & Stitch, Moana, Hércules, Robin Hood, Os Aristogatas, Bambi...
Elas também nunca tiveram nada contra a escalação de Rachel Zegler, revelada no musical Amor, Sublime Amor (2021), de Steven Spielberg, para a personagem principal, o que gerou execráveis comentários racistas — com ascendência polonesa e colombiana, a atriz não seria branca como a neve. E o desempenho de Zegler, que busca personificar o coração puro e generoso da protagonista surgida em conto de fadas publicado em 1812 pelos Irmãos Grimm, é praticamente a única coisa que se salva no filme dirigido por Marc Webb, o mesmo da comédia romântica (500) Dias com Ela (2009) e das duas aventuras do Homem-Aranha estreladas por Andrew Garfield.

Orçado em cerca de US$ 250 milhões, Branca de Neve largou mal junto ao público — arrecadou somente US$ 43 milhões no seu fim de semana de estreia nos EUA, muito abaixo de outras refilmagens da Disney lançadas no mesmo período (para citar dois exemplos, O Rei Leão fez US$ 191 milhões nos seus primeiros três dias de exibição, e A Pequena Sereia, de 2023, US$ 95 milhões).
A verdade é que Branca de Neve já nasceu amaldiçoado. À la Emilia Pérez (2024), arregimentou um clube do ódio. Para começar, há quem não aguente mais os remakes. E aos detratores de Rachel Zegler somaram-se os de Gal Gadot, que é ex-integrante das forças de defesa de Israel e tem sido uma voz ativa em relação à guerra do seu país contra o Hamas.
— Nunca imaginei que nas ruas dos Estados Unidos e em cidades pelo mundo veríamos pessoas que não condenam o Hamas e ainda celebram, justificam e incentivam o massacre de judeus — ela disse em março de 2024.

A recepção de Branca de Neve junto à crítica também não foi boa. Manohla Dargis, do New York Times, escreveu que o filme "não é bom o suficiente para ser admirado, nem ruim o suficiente para ser malhado divertidamente: sua mediocridade está entre seus maiores problemas". No Boston Globe, Odie Henderson fez um trocadilho com os nomes dos Sete Anões: disse que tinha esperança de que Branca de Neve o deixasse Feliz, mas ficou Soneca e Zangado.
Parte do desastre já estava anunciado. Com medo de acusações de capacitismo (a discriminação, violência ou atitude preconceituosa contra pessoas com deficiência), a Disney decidiu mudar a configuração dos Sete Anões. Tudo começou com uma crítica de Peter Dinklage, ator com nanismo que adquiriu fama como o Tyrion Lannister da série Game of Thrones. Para ele, o septeto reforçava estereótipos ultrapassados e retratava pessoas com nanismo como figuras dóceis e submissas.
Em resposta, a Disney transformou Soneca, Dengoso, Feliz, Atchim, Mestre, Zangado e Dunga em criaturas mágicas (que jamais são chamadas de anões) e geradas por computação gráfica — ou seja, o estúdio negou trabalho a sete atores com nanismo. Suas características emocionais foram mantidas, mas o visual é quase bizarro: os personagens ficaram desproporcionais em relação ao elenco humano. Depõem contra o que considero uma das razões de existirem as chamadas versões live-action: o emprego de atores e atrizes para emprestar realismo à fantasia. Aliás, os cenários de Branca de Neve também parecem todos digitais, nada parece autêntico.
O irônico, para não dizer intrigante, é que entre os coadjuvantes há um ator com nanismo, George Appleby, no papel de Quigg, uma liderança em um grupo de bandidos — calma: eles não são vilões. Estão mais para a resistência ao governo despótico da Rainha Má — sim: a roteirista Erin Cressida Wilson, a mesma de A Garota no Trem (2016), procurou transformar Branca de Neve uma espécie de princesa politizada.

Para tanto, Branca de Neve leva um puxão de orelhas de outro ladrão, Jonathan (o insosso Andrew Burnap), que a critica por querer resolver a opressão do reino distribuindo tortas de maçã. Esse personagem tem um senso de humor insuportável que remete ao Flynn Rider dublado por Luciano Huck em Enrolados (2010) e um figurino anacrônico para aproximá-lo dos garotos dos dias mais atuais: jaqueta jeans e moletom com capuz. O mais ridículo é que Jonathan troca duas vezes de roupa, incluindo um visual totalmente branco, mas sempre com a combinação jaqueta e capuz.
Por fim, vamos falar de Gal Gadot, que, além de não ser boa atriz, está perdidaça no papel. Não sabe se age como a grande malvadona de todos os tempos ou se tenta alcançar o exagero algo cômico. Acaba condenada a um limbo: nunca é ameaçadora de fato, muito menos engraçada. A exigência de cantar só piora sua situação. Mas pelo menos a atriz não tem de dançar. Ou tem? Se apareceu dançando, confesso que eu estava dormindo.
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