
Disponível na plataforma Max, a série The Pitt (2025) mistura dois clássicos da TV estadunidense.
Por um lado, remete a Plantão Médico, o nome dado no Brasil a ER (1994-2009). Além de ser ambientada na emergência de um hospital, traz no elenco um ator daquele seriado, Noah Wyle, e foi criada por um de seus produtores e roteiristas, R. Scott Gemmill, também conhecido por trabalhar em NCIS: Los Angeles (2009-2023).
Por outro, alude a 24 Horas (2001-2010/2014), por causa do formato. Como acontecia nas aventuras do agente Jack Bauer, os 15 episódios da primeira temporada cobrem em tempo real 15 horas da tensa rotina de um pronto-socorro em Pittsburgh. Lá, um grupo de estudantes de Medicina dá seus primeiros passos na profissão, acompanhados de perto pelo personagem de Wyle, o doutor Michael Robinavitch, carinhosamente chamado de Robby.
Os episódios são lançados às quintas-feiras, e o 15º deve ir ao ar em 10 de abril. O sucesso de audiência garantiu a renovação para uma segunda temporada.

A ação começa às 7h do dia em que se completam quatro anos da morte do mentor de Robby, o doutor Adamson, por causa da pandemia de covid-19. Aliás, uma das inspirações para a série foi o profundo impacto físico e emocional do coronavírus nos profissionais de saúde. "Eu recebia muitas cartas de socorristas contando suas experiências, e isso me fez perceber que havia outra história a ser contada", comentou Wyle.
O protagonista de The Pitt ficou traumatizado por essa perda, sente-se culpado. E tem de encarar também as cobranças de Gloria Underwood (Michael Hyatt), a gerente do hospital, preocupada em evitar gastos e em elevar os índices de satisfação dos pacientes — que podem ter de esperar horas e horas por atendimento.
Robby não tem tempo para sofrer, porque há muitas vidas para salvar. Pode ser até de um colega, Jack Abbot (papel de Shawn Hatosy), flagrado na beira do telhado, talvez ensaiando uma tentativa de suicídio.

Depois disso, Robby é apresentado pela enfermeira-chefe, a simpática e empática Dana (Katherina LaNasa), aos novos residentes e alunos de Medicina: Victoria Javadi (Shabana Azeez), 20 anos, que desmaia logo no primeiro caso; Dennis Whitaker (Gerran Howell), que logo vai correr o risco de perder seu primeiro paciente; Melissa King (Taylor Dearden), que é socialmente desajeitada, mas tecnicamente qualificada; e Trinity Santos (Isa Briones), a personagem que, como a própria atriz que a interpreta admitiu, o público vai amar odiar.
O recurso narrativo do "olhar virgem" é usual, mas eficiente. Possibilita a The Pitt explicar ao espectador termos como tamponamento, periocardiocentese, toracotomia e neurocisticercose e apresentar com fluidez os demais coadjuvantes. A doutora Heather Collins (Tracy Ifeachor) tem alguma rusga não resolvida com Robby, e o residente sênior Frank Langdon (Patrick Ball) é o braço-direito do protagonista. Cassie McKay (Fiona Dourif), uma residente de 42 anos, exala doçura, mas também tem um passado turbulento. Samira Mohan (Supriya Ganesh) é uma médica que, na avaliação de seu chefe, gasta tempo demais com os pacientes, enquanto a cirurgiã Yolanda Garcia (Alexandra Metz) não pode ser mais fria e arrogante.

Esse exército vai se dividir, ou melhor, se multiplicar para tratar de casos como o de um homem que, sem capacete, sofreu um terrível acidente de scooter; uma mãe que apareceu com uma estranha queimadura no braço; um menino de quatro anos que ingeriu as balas de maconha do pai; uma mulher que foi empurrada da plataforma do metrô e não fala inglês; um adolescente com morte cerebral; e um idoso cujo casal de filhos está em conflito: um quer respeitar a ordem de não ressuscitar do pai, a outra quer prolongar sua vida, mesmo que isso signifique uma morte mais lenta e dolorosa.
Para os leigos, os procedimentos médicos parecem autênticos (consta que houve meses de treinamento intensivo para o elenco, que aprendeu a fazer intubação e reanimação cardiopulmonar, por exemplo). Há, porém, alguns clichês das séries de hospital, como o sarcasmo e as piadinhas na sala de cirurgia. E a subtrama sobre o furto de uma ambulância é um alívio cômico forçado que ocupa um tempo demasiado.

A estrutura em tempo real dá uma tremenda agilidade a The Pitt: a ação nunca para. Simultaneamente, amplia a tensão — inerente a um cenário claustrofóbico (não se vê janelas, e os personagens raramente saem para a rua) onde a morte está sempre à espreita — e o suspense: os casos não são resolvidos imediatamente, um paciente que surgiu em um episódio pode só reaparecer dois ou três capítulos depois. Por outro lado, o desenvolvimento dramático dos personagens pode parecer apressado: o intervalo entre um episódio e outro é de uma semana aos olhos do espectador, mas dentro da história cada capítulo corresponde a apenas uma hora.
Outro grande trunfo de The Pitt é a ausência de uma trilha sonora que busque manipular as emoções do espectador. Além de emprestar mais realismo, a crueza do som ambiente intensifica o drama. E abre espaço para que os diálogos tenham peso, como quando o doutor Robinavitch comenta sobre o fantasma que assombra todo médico, todo enfermeiro, todo trabalhador de um hospital: a morte de um paciente. À sensação de impotência e de fracasso, soma-se o embaraço de comunicar aos parentes, sempre esperançosos de que a vida prevalecerá. Com apenas quatro palavras, Robby resume o sentimento de quem sabe que, não importa o quão bom seja no que faz, o final pode não ser feliz:
— Nunca fica mais fácil.
Mais retumbante ainda é a cena em que o protagonista, com o tom de voz que é ao mesmo tempo íntimo, agradável e solene do ator Noah Wyle, ensina sobre as quatro coisas simples que precisamos dizer a um ente querido que está morrendo e que podem ajudar a aliviar os estágios iniciais do luto:
— Eu te amo. Obrigado. Eu te perdoo. Por favor, me perdoa.
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