Um letreiro em Setembro 5 (September 5, 2024), filme indicado ao Oscar de melhor roteiro original que estreou nos cinemas na quinta-feira (30), informa: o ataque da organização palestina Setembro Negro a 11 atletas e treinadores israelenses na Olimpíada de Munique, em 1972, foi o primeiro ato de terrorismo transmitido ao vivo pelas emissoras de televisão. Mais de 900 milhões de pessoas ao redor do mundo assistiram à cobertura daquele trágico dia, que legou como símbolo a imagem do homem com o rosto coberto por uma balaclava flagrado pelas câmeras de TV na sacada de um prédio da Vila Olímpica.
Não demorou a haver uma dramatização. Em 1976, William A. Graham dirigiu um telefilme estadunidense estrelado por William Holden, Shirley Knight e Franco Nero, Pânico em Munique (21 Hours at Munich, fora de catálogo no streaming), que chegou a ser lançado nos cinemas em vários países.
Bem mais tarde, Kevin Macdonald ganhou o Oscar de melhor documentário por Munique, 1972: Um Dia em Setembro (One Day in September, 1999, também relegado ao limbo digital), que é narrado pelo ator Michael Douglas e reúne depoimentos de sobreviventes, testemunhas, autoridades alemãs e israelenses e até mesmo de um dos terroristas, Jamal Al-Gashey, à época escondido na África.
Steven Spielberg também reconstituiu o atentado em Munique (Munich, 2005, disponível nas plataformas digitais de aluguel), que concorreu ao Oscar nas categorias de melhor filme, direção, roteiro adaptado, edição e música original. Mas o thriller político também ficcionaliza a campanha de retaliação — em outras palavras, a jornada de vingança — posta em marcha pela então primeira-ministra israelense Golda Meir. E reflete sobre o preço a pagar pelas nações e por seus indivíduos quando empreendem matanças "justificadas" _ como diz um personagem, "todo esse sangue se volta para nós".
Setembro 5 retrata outra perspectiva e outros dilemas.
Derrotado por O Brutalista no Globo de Ouro de melhor drama, em janeiro, o título é dirigido pelo suíço Tim Fehlbaum, da ficção científica pós-apocalíptica A Colônia (The Colony, 2021), que pode ser alugada em Amazon Prime Video, Apple TV e Google Play. Ele escreveu o roteiro indicado ao Oscar com Alex David e Moritz Binder.
O foco está em uma equipe de jornalismo esportivo do canal ABC, dos Estados Unidos, que precisou se adaptar para cobrir ao vivo os eventos sinistros ocorridos, ao longo de menos de 24 horas, entre a Vila Olímpica de Munique e o aeroporto militar de Fürstenfeldbrück. Fehlbaum intensifica a tensão ao comprimir o tempo (o filme tem apenas 95 minutos) e enclausurar atores e espectadores: a ação se passa quase totalmente dentro da sala de comando das transmissões, onde os personagens têm de lidar com a escalada da violência, a desinformação, tentativas de censura e uma série de questões técnicas, que vão desde o transporte de câmeras pesadíssimas para uma área externa até a disputa pelo horário de utilização do satélite com outra grande rede dos EUA, a CBS, passando pela comunicação via walkie-talkie e pelo método artesanal da geração de caracteres.
Muitos personagens são reais. Peter Sarsgaard interpreta o executivo Roone Arledge, que finca pé com os chefões da ABC para que a equipe de esportes faça a cobertura. John Magaro encarna Geoffrey Mason, então um jovem produtor de TV. Ben Chaplin vive Marvin Bader, o chefe de operações, e Benjamin Walker é o repórter Peter Jennings. O âncora Jim McKay aparece — bastante — em cenas de arquivo, em um casamento perfeito da ficção com a realidade. É um trabalho de ourivesaria dos roteiristas e do editor Hansjörg Weißbrich.
Protagonista de A Sala dos Professores (2023), Leonie Benesch faz uma coadjuvante fictícia, a intérprete alemã Marianne Gebhardt, que tem um papel duplamente importante. Contribui para a narrativa ao traduzir notícias, telefonemas, mensagens etc. E contribui para o contexto ao simbolizar o sentimento do país em relação aos Jogos de Munique — uma oportunidade de mostrar ao mundo uma nova Alemanha, pouco mais de 25 anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial (daí também o investimento modesto em segurança, o que acabou tendo consequências negativas) — e em relação ao atentado: mais uma vez, judeus estavam sendo atacados em solo alemão, como na época de Hitler e do nazismo.
À medida que as horas avançam, as negociações transcorrem e as informações ficam confusas, a equipe da ABC se vê cada vez mais pressionada a assumir riscos e tomar decisões difíceis, confrontando bússolas morais e princípios éticos com ambições jornalísticas que incluem a busca por um furo de reportagem, a urgência em ser o primeiro a dar uma notícia.
— Não é uma competição! Espere pela confirmação! — adverte Marvin Bader a certa altura.
Em outro momento, o produtor Geoff se dá conta: os terroristas também estão assistindo às imagens, a cobertura na TV orienta os sequestradores. A suposta objetividade — "Nosso trabalho é realmente simples: colocamos a câmera no lugar certo e seguimos o que acontece", diz Roone Arledge — implica "abrir uma caixa de Pandora", como disse Ben Chaplin em entrevista a Julio Bardini no site Cinema com Rapadura. O ator comentou: "Se eu tivesse uma esperança sobre o filme, seria apenas de que as pessoas pensassem sobre o que uma cobertura ao vivo pode fazer, o que ela significa. É suficiente apenas filmar algo acontecendo e deixar o público decidir? Ou as pessoas que estão cobrindo têm uma responsabilidade com que estão fazendo? E mais importante, até que ponto essa cobertura afeta o resultado do evento que você está cobrindo? Acho que não há dúvida de que afeta".
Sua reflexão encontra eco em um artigo publicado por Ben McEvoy, Alina Kulesh e Rich Cooper no site da Canadian Broadcasting Corporation (CBC), gestora das emissoras de rádio e televisão públicas do Canadá, e intitulado "Terrorism at the Munich Olympic games: how an event five decades ago has a lasting impact today" (Terrorismo nos Jogos Olímpicos de Munique: como um evento de cinco décadas atrás tem um impacto duradouro nos dias de hoje). Segundo o texto, a mídia dá aos terroristas a atenção de que eles precisam para ter sucesso: "O estudioso estadunidense Mark Juergensmeyer chama o terrorismo de violência performática e observa que 'se o terrorismo é teatro, então os terroristas querem se apresentar onde há muitos espectadores'". O êxito de um ataque é então medido não apenas pelo número de vítimas e pelo cumprimento das exigências, mas também pelo ibope alcançado.
Prosseguem os autores: "Depois de Munique, os terroristas aprenderam a atrair a atenção mundial através da televisão convencional para atingir esse objetivo. A relação entre o terrorismo e os meios de comunicação social tornou-se crucial para o seu sucesso. (...) A mídia ganha dinheiro com o engajamento que seu conteúdo consegue. Mais espectadores significam mais publicidade ou dólares de assinaturas, o que significa mais lucro. Faz sentido que os meios de comunicação social estejam ansiosos por noticiar — e até em excesso — sobre ataques e grupos terroristas. Em 2015, o pesquisador da Priceonomics Nemil Dala descobriu que 'as mortes por terrorismo são o tipo de morte per capita com maior cobertura nas primeiras páginas do jornal The New York Times, em comparação com qualquer outra maneira pela qual um ser humano pode morrer'".
O artigo acrescenta o resultado de um trabalho do pesquisador Michael Jetter, que analisou a cobertura jornalística da rede Al-Qaeda pelos canais estadunidenses CBS, CNN, Fox News e NBC, desde o 11 de Setembro: quando havia um minuto de notícia, na semana seguinte ocorria um ataque terrorista.
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