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A ambição artística é uma faca de dois gumes em O Brutalista (The Brutalist, 2024), que estreia nesta quinta-feira (20) nos cinemas sob o embalo de 10 indicações ao Oscar e uma coleção de prêmios.
O primeiro deles foi o Leão de Prata no Festival de Veneza. Depois vieram três Globos de Ouro e quatro Baftas, entre outros troféus. No dia 2 de março, concorre nas seguintes categorias da premiação da Academia de Hollywood: melhor filme, direção (Brady Corbet), ator (Adrien Brody), ator coadjuvante (Guy Pearce), atriz coadjuvante (Felicity Jones), roteiro original (escrito por Corbet com Mona Fastvold), fotografia (Lol Crawley), edição (Dávid Jancsó), design de produção (Judy Becker e Patricia Cuccia) e música original (Daniel Blumberg).
Trata-se do terceiro longa-metragem dirigido pelo estadunidense Corbet, 36 anos, que nos tempos de ator foi visto como um dos agressores da refilmagem em inglês de Violência Gratuita (2007) e como um coadjuvante em Melancolia (2011). Os seus filmes anteriores são A Infância de um Líder (2015), que se passa durante a elaboração do Tratado de Versalhes, após a Primeira Guerra Mundial, e aborda o surgimento do fascismo; e Vox Lux: O Preço da Fama (2018), em que uma sobrevivente de um tiroteio escolar se torna uma cantora de sucesso.
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Em O Brutalista, pelo qual foi premiado como melhor diretor no Globo de Ouro e no Bafta, o cineasta conta a história do fictício arquiteto húngaro e judeu László Toth. É um ex-prisioneiro dos campos de concentração nazistas que, em 1947, desembarca em Nova York para recomeçar a vida. O papel pode valer a Adrien Brody, já premiado no Globo de Ouro, no Critics Choice e no Bafta, seu segundo Oscar de melhor ator na pele de um sobrevivente do Holocausto — ele venceu por interpretar um personagem real, o músico polonês Wladyslaw Szpilman (1911-2000), em O Pianista (2002).
Lászlo é recepcionado por seu primo, Attila (Alessandro Nivola), que trocou o sobrenome — de Mólnar para Miller — e se casou com uma católica, Audrey (Emma Laird), com quem administra uma loja de móveis em Filadélfia. Attila revela que a esposa do protagonista, Erzsébet (Felicity Jones), também sobreviveu à Segunda Guerra Mundial, mas ainda está impossibilitada de emigrar da Europa devido a sua condição de saúde e à burocracia. Através do primo, Lászlo conhecerá o milionário dono de indústria Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce), que vai acabar contratando o arquiteto para projetar um enorme centro comunitário, com biblioteca, teatro, ginásio esportivo e uma capela cristã. O projeto vira um campo de conflitos e uma obsessão que consome não apenas dinheiro.
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Esse é um resumo rudimentar de um filme que espelha na forma a busca do seu protagonista pela monumentalidade. É como se Brady Corbet, a exemplo de László Toth, quisesse provar ser um artista importante — uma sede de reconhecimento que é traduzida musicalmente pelo imponente leitmotiv composto por Daniel Blumberg, um tema para trompa com quatro notas ascendentes.
Daí a própria duração do filme: três horas e 35 minutos, divididas em uma abertura, duas partes (intituladas O Enigma da Chegada e O Núcleo Duro da Beleza) e um epílogo, compreendendo um período que vai de 1947 a 1980.
Daí o aceno para os intelectuais ao abordar o brutalismo, um estilo arquitetônico cujo nome não é referente à violência nem vem do italiano "brutto" (feio), mas do francês "béton brut" (concreto bruto). Alcançou seu auge entre os anos 1950 e 1970: a urbanização acelerada do pós-guerra casava bem com suas formas simples e geométricas, sem muitos frufrus na decoração e com valorização da funcionalidade.
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Daí o apelo à nostalgia da crítica ao resgatar um formato de filme 35 mm, o VistaVision, que em Hollywood havia sido utilizado pela última vez em 1963, na comédia Meus Seis Amores, e ressuscitar o intervalo — entre a primeira e a segunda parte, a tela é ocupada por uma foto gigantesca dos personagens e um cronômetro que marca 15 minutos em contagem regressiva, com a música de Blumberg tocando ao fundo.
Daí o emprego da grandiloquência do gênero épico para tratar de um tema mítico na História e na ficção estadunidenses: a segunda chance. Pode-se dizer que os Estados Unidos nasceram de uma segunda chance, a dos pobres e degradados ingleses que partiram para a América no começo do século 17. E esse recomeço foi sucessivamente reencenado pelos imigrantes, como László.
Daí a trama com tópicos de alto valor histórico e social: o Holocausto, o antissemitismo, a formação do Estado de Israel, os traumas psicológicos e físicos da guerra, a dependência de drogas, a xenofobia, o conflito da criatividade e da independência artísticas com os interesses financeiros, a arrogância e a ignorância das classes mais abastadas, o caráter abusivo e repressor da elite.
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Daí o epílogo — ambientado em 1980 — que, por um lado, rompe com a estética do filme ao adotar um formato de vídeo Betamax e transformar a trilha composta por Blumberg em uma versão dançante (com a participação de Vince Clarke, do duo pop Erasure, nos sintetizadores); por outro, ressignifica os eventos anteriores, convidando a audiência ao debate e, quem sabe, a rever O Brutalista com novos olhos.
Mas O Brutalista fica aquém do prometido em sua potente sequência de abertura, que mostra o desembarque de László na ilha Ellis, em Nova York, e tem como ápice uma imagem da Estátua da Liberdade de cabeça para baixo — um alerta sobre a ilusão que pode ser o tal sonho americano, sobre o pesadelo em que pode se transformar.
A duração do filme reflete cenas esticadas, planos sobressalentes e exercícios de virtuosismo técnico, como se tamanho fosse documento.
A arquitetura é menos um assunto de interesse do filme do que um mero elemento decorativo. Talvez haja apenas um diálogo que aborde frontalmente o ofício, quando László fala que seus prédios na Hungria sobreviveram à Segunda Guerra e menciona o senso de "identidade coletiva". E não é em O Brutalista que o público leigo pode aprender sobre o brutalismo.
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O marketing sobre o formato VistaVision é sabotado pela habitual projeção digital das salas de cinema. Perde-se o contraste, a resolução e a difusão de luz que devem ser percebidas em suportes analógicos.
O orçamento modestíssimo, de US$ 9,6 milhões, prejudica as intenções de produzir um épico: falta escala, falta grandiosidade — repare na escassez dos planos mais abertos. Falta também vida interior a seus personagens. Eles parecem caricaturas, fantoches a serviço do roteiro, à espera da ordem do diretor para proferir uma frase de impacto ("Nós toleramos você", diz o filho de Van Buren a László) ou para protagonizar uma cena de suposto choque. O estupro que acontece em O Brutalista demonstra, a um só tempo, um mau gosto estético de Brady Corbet e sua insegurança quanto ao desenho das personalidades e das relações que se estabelecem entre os personagens: é preciso explicitar a dominância e o desprezo. As explosões emocionais soam artificiais. A propósito, a revelação de que houve uso de inteligência artificial (IA) para aprimorar o sotaque de Adrien Brody e Felicity Jones coloca sob suspeição todos os diálogos e as narrações em húngaro. Corbet disse que o objetivo era "preservar a autenticidade das performances", mas há um paradoxo quando se utiliza IA em nome de autenticidade.
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Os tópicos de alto valor histórico e social, por sua vez, são parcamente desenvolvidos, apesar da longa duração do filme. Acabam vítimas da megalomania de Brady Corbet, que resulta em uma falta de foco e de profundidade.
Por fim, vem o epílogo, em que uma personagem diz uma frase que parece um salvo-conduto para o diretor: "O que importa é o destino, não a jornada" — ou seja, o que importa é a "grande ideia" que Corbet guardou para o final, não as mais de três horas de um exibicionismo quase vazio.
(ALERTA DE SPOILERS)
Esse epílogo explica a motivação do projeto arquitetônico de László Toth e sua obsessão com o design e as medidas da estrutura a ser construída. Na revista The New Yorker, o renomado crítico Richard Brody resumiu bem as virtudes e os problemas da sequência ambientada na Bienal de Arquitetura de Veneza: "Lá, pela primeira vez, o filme vincula a arquitetura austera e de linhas nítidas à crueldade friamente industrializada do Holocausto. Mesmo que essa revelação lance uma luz retrospectiva sobre muitos dos pontos da trama do filme, ela é simplesmente jogada fora. As ambiguidades resultantes são fascinantes e provocativas, embora Corbet nunca pense bem nelas: se László está criando, de fato, poesia arquitetônica após Auschwitz (na verdade, Buchenwald), essa poesia redime a crueldade e a brutalidade dos campos de concentração ou as reproduz? Seus designs pretendem ser celebratórios ou sarcásticos, redentores ou opressivos? Ele está comparando seus patronos dominadores e plutocráticos aos seus opressores nazistas? O Brutalista, com sua impessoalidade e sua vontade de monumentalidade, pretende ser uma peça com a arquitetura de László? Se sim, por que a estética do filme é tão convencional? E se as ideias do artista são o ponto, por que Corbet as ignora tão superficialmente?".
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