Conclave (2024), que estreou nos cinemas do Brasil nesta quinta-feira (23) embalado por oito indicações ao Oscar, transforma o processo de escolha do novo Papa em um thriller de conspiração, cheio de intrigas, difamações e reviravoltas. No dia 2 de março, o título vai concorrer nas categorias de melhor filme, ator (Ralph Fiennes), atriz coadjuvante (Isabella Rossellini), roteiro adaptado, edição, design de produção, figurinos e música original.
A sucessão do líder supremo da Igreja Católica já foi vista no cinema em pelo menos três títulos famosos. As Sandálias do Pescador (1968), de Michael Anderson, é adaptação do romance de Morris West sobre um bispo que era prisioneiro político na Sibéria e que, após ser empossado como Kiril I, precisa tentar impedir uma iminente invasão da Rússia pela China capaz de deflagrar a Terceira Guerra Mundial.
Em Habemus Papam (2011), de Nanni Moretti, a crise não é política, mas existencial: o cardeal Melville surta logo após ser, surpreendentemente, eleito o pontífice, abandonando a cerimônia antes de ser nomeado publicamente. Aturdido, o Vaticano convoca um psicanalista ateu para ajudar o religioso a enfrentar a situação e, enfim, assumir suas novas funções.
E em Dois Papas (2019), Fernando Meirelles ficcionaliza a ascensão, em 2005, e a renúncia, em 2012, do alemão Joseph Ratzinger, o Bento XVI, substituído pelo argentino Jorge Bergoglio, o papa Francisco, que está no cargo desde então.
O novo filme é baseado no romance homônimo publicado em 2016 pelo inglês Robert Harris, autor já levado ao cinema, à TV ou ao streaming em obras como A Nação do Medo (1994), O Escritor Fantasma (2010), O Oficial e o Espião (2019) e Munique: No Limite da Guerra (2021). Quem dirige Conclave é o alemão Edward Berger, o mesmo de Nada de Novo no Front (2022), vencedor do Oscar nas categorias de longa internacional, fotografia, design de produção e música original.
Tudo começa com a morte — por infarto, durante o sono — do atual papa. Cabe ao cardeal inglês Lawrence, o camerlengo do Vaticano, organizar a sucessão, o chamado conclave, em que o ganhador precisa atingir dois terços dos cerca de 120 votos em disputa. Esse personagem, que está vacilante em relação à própria fé e logo se verá vacilante em relação à índole dos principais concorrentes, é mais um grande papel de Ralph Fiennes, indicado ao Oscar de coadjuvante por A Lista de Schindler (1993) e ao de melhor ator por O Paciente Inglês (1996), brilhante também em Quiz Show (1994), Fim de Caso (1999), Spider: Desafie sua Mente (2002), O Jardineiro Fiel (2005), O Grande Hotel Budapeste (2014) e O Menu (2022).
Como na polarização política do mundo contemporâneo, os quatro principais candidatos se dividem entre globalistas e isolacionistas, entre liberais e conservadores. O estadunidense Aldo Bellini (Stanley Tucci) era o secretário de Estado do finado Papa e tem mente aberta para questões como o casamento gay e o papel das mulheres na Igreja. O canadense Tremblay (John Lithgow), um moderado, foi um dos últimos a se encontrar com o sumo pontífice — qual teria sido o teor da conversa? O nigeriano Adeyemi (Lucian Msamati), um retrógrado que deseja ser o primeiro africano no cargo, também pode estar escondendo algo. Já o italiano Tedesco (Sergio Castellitto) joga às claras: é um tradicionalista convicto (quer inclusive que as missas voltem a ser comandadas em latim) e um reacionário inflamado — chega a bradar por uma guerra religiosa contra o Islamismo.
Quem vencerá?
Os detalhes dessa votação secreta são apresentados com um equilíbrio entre o didático e o dinâmico: o espectador não só entende os rituais, também pode se empolgar. Edward Berger tem como importantes aliados o diretor de fotografia francês Stéphane Fontaine, que ao longo do filme oferece belos e instigantes enquadramentos, o editor britânico Nick Emerson, que sabe a hora de acelerar ou diminuir o ritmo na montagem, e o compositor alemão Volker Bertelmann (oscarizado por Nada de Novo no Front), que pontua os momentos solenes ou tensos.
A ambientação também é fundamental. A figurinista Lisy Christl optou por um tom de vermelho usado no século 17 que é mais fulgurante, o que enche a trama de paixão — irmã gêmea da ambição —, e diferenciou o perfil político conforme o crucifixo que carregam: os mais liberais usam prata, os mais conservadores, ouro.
Nos estúdios Cinecittà, em Roma, foram construídas réplicas dos cenários do Vaticano, como a Casa Santa Marta, que, em quartos austeros, hospeda cardeais de várias nacionalidades, e a Capela Sistina, onde ocorre a eleição, em que os sacerdotes escrevem o nome do seu escolhido em um pedaço de papel, que é depois colocado em uma bandeja de prata e depositado em uma urna. O processo que isola os religiosos do resto do mundo (incluindo o confisco dos celulares) continua dia a após dia até que um papa seja eleito — só então será branca a fumaça oriunda da queima das cédulas de papel misturadas a substâncias químicas.
A mágica de Conclave é muito humana. Premiado no Globo de Ouro, o roteiro escrito por Peter Straughan faz do Vaticano uma espécie de tabuleiro de xadrez, onde pouco a pouco as peças vão fazendo seus movimentos e revelando suas intenções. Entre elas, deve-se incluir a irmã Agnes (Isabella Rossellini), responsável pelas freiras trazidas para cozinhar, limpar e servir os cardeais. Seu papel parece subalterno e discreto, mas convém prestar atenção no que ela diz — "Deus nos deu olhos e ouvidos", afirma Agnes a certa altura.
Além dos mistérios que surgem e dos segredos que são desvendados, Conclave seduz porque aproxima esses homens santos dos homens comuns. Os cardeais têm dúvidas, ambições, rivalidades, fraquezas. O Vaticano vira um microcosmo que pode espelhar tanto o mundo da política quanto o da diretoria de uma grande empresa.
"O CEO se foi e as pessoas vão sair brigando, vão sacar suas facas para conseguir aquele emprego", comentou o diretor Edward Berger em entrevista à jornalista e crítica Caryn James, da BBC. "Pensamos no conclave como um antigo ritual espiritual, e nesses homens como uma espécie de santos. Nós os colocamos neste pedestal, mas quando você olha mais de perto, eles vão ter celulares, vão fumar, eles têm os mesmos problemas, vícios e segredos que nós. O Papa acaba num saco plástico para cadáveres, como todos nós. Para mim, isso foi importante: trazê-los para a modernidade".
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