Os órfãos da Família Soprano podem passar um Natal bem mais feliz se ganharem de presente um livro que foi lançado no Brasil em novembro pela DarkSide Books.
Trata-se de Família Soprano: Menu de Episódios, publicado originalmente em 2019 pelos críticos estadunidenses Matt Zoller Seitz e Alan Sepinwall para assinalar os 20 anos de estreia daquela que é considerada a melhor série de todos os tempos, exibida entre 1999 e 2007. Por aqui, com tradução de Leo Moretti, 576 páginas e preço de R$ 139,90, marca o 25º aniversário da obra criada por David Chase, protagonista de um documentário em duas partes disponível desde setembro na plataforma Max.
Também disponíveis na Max, as tramas boladas por Chase, Terence Winter, Mitchell Burgess e Matthew Weiner, entre outros autores, e dirigidas principalmente por Timothy Van Patten, John Patterson, Allen Coulter e Alan Taylor uniram, ou melhor, fizeram colidir dois mundos. De um lado, havia um drama familiar que convida à identificação com os personagens. Do outro, o nosso fascínio pela violência e pelo crime.
A série desglamoriza a máfia, a começar pela mudança de endereço. Como os créditos de abertura mostram, deixamos a costumeira Nova York e pegamos a ponte para New Jersey dentro da Chevy Suburban pilotada por Tony Soprano, o personagem de James Gandolfini que usava uma empresa de coleta de lixo como fachada para seus negócios sujos, geralmente fechados na boate Bada Bing. Em casa, tinha mais perrengues do que alegrias ao lado da esposa, Carmela (Edie Falco), e dos filhos, Meadow (Jamie-Lynn Sigler) e A.J. (Robert Iler). O pacote de estresse inclui uma mãe megera, um tio traiçoeiro e um sobrinho instável. Não à toa, logo na estreia o protagonista vai consultar uma psiquiatra, a doutora Melfi, papel de Lorraine Bracco.
Família Soprano (no original, The Sopranos) recebeu 21 troféus no Emmy, incluindo dois de seriado dramático (2004 e 2007), três de ator (James Gandolfini, em 2000, 2001 e 2003) e três de atriz (Edie Falco, em 1999, 2001 e 2003). Na prateleira de conquistas, também há cinco Globos de Ouro, oito prêmios do Sindicato dos Atores dos EUA e a escolha pelo Sindicato dos Roteiristas, em 2013, como a série mais bem escrita da história, à frente dos clássicos Além da Imaginação (1959-1964) e Seinfeld (1989-1998).
O livro é dividido em sete partes. Na introdução, a romancista Laura Lippman, autora de O que os Mortos Sabem e Cada Segredo e esposa de David Simon, o criador da série A Escuta (The Wire), conta que já reassistiu pelo menos seis vezes a todos os 86 episódios. Para ela, um dos segredos de Família Soprano foi a habilidade de Chase e do time de roteiristas para criar a curto e a longo prazo: "Episódios que parecem isolados, que introduzem eventos que abandonam um pouco a trama principal, ainda contêm partes importantes da história; e os episódios em que cada detalhe influencia o enredo podem ser apreciados separadamente".
Depois, Seitz e Sepinwall fazem a apresentação do calhamaço, na qual apontam outro trunfo, a "imprevisibilidade volátil". Segundo os autores, "a genialidade estava no fato de que você nunca tinha certeza de como interpretar os acontecimentos durante todo o episódio, até aquele final que poderia ser uma coisa ou outra, ou até mesmo as duas".
A seguir, ocupando quase 350 páginas, vêm os ensaios críticos sobre cada um dos episódios, com riqueza de bastidores e de análise. É brilhante, por exemplo, a comparação que a dupla faz entre as figuras de Livia, a mãe terrível, e Melfi, a "mãe" acolhedora. Aliás, ao eleger um consultório psiquiátrico como um dos principais cenários, David Chase abriu a porta para que os roteiros trabalhassem com sonhos e fantasias. Mas há coisas muito duras também, vide a cena em que Tony estrangula até a morte um informante que ele avista durante uma viagem com a filha para conhecer faculdades.
Aqueles 90 segundos que pareceram uma excruciante eternidade mudaram para sempre nosso entendimento sobre quem era Tony Soprano. E, diante da receptividade do público e da crítica, aquela morte deu vida a uma linhagem de protagonistas anti-heroicos, cheios de falhas e pecados, que inclui o Jack Bauer de 24 Horas, o Nucky Thompson de Boardwalk Empire, o Walter White de Breaking Bad, o Don Draper de Mad Men, o Tommy Shelby de Peaky Blinders, o Dexter e o Ray Donovan das séries homônimas.
O capítulo Made in America pega emprestado o título do derradeiro e discutidíssimo epílogo de Família Soprano: até hoje, ninguém sabe ao certo o que aconteceu com Tony, Carmela, Meadow e A.J. no restaurante e sorveteria Holsten's. Fazer a tela subitamente ficar preta foi um grand finale para uma série que sempre bagunçou a cabeça do espectador. Algumas das histórias iam do policial com pano de fundo histórico ao drama existencial. Outras alternavam sequências de sonho com explosões de violência.
Sessões com David Chase apresenta quase cem páginas de entrevistas com o criador da série, divididas por temporada. Mas Seitz e Sepinwall alertam: às vezes, tem prenunciações; "portanto, é melhor terminar a série por completo, pelo menos uma vez, antes de ler".
De Olho na Máfia traz uma coletânea de artigos e reportagens publicados sobre a série no jornal Star-Ledger, de New Jersey. E o livro termina com Palavras ao Chefe, um tributo a James Gandolfini, morto em 19 de junho de 2013, aos 51 anos, após sofrer uma parada cardíaca no Hotel Exedra, em Roma. Estava na Itália para ser homenageado no festival de cinema de Taormina, na Sicília, território mítico da máfia. O capítulo inclui a transcrição do longo, sincero e pungente discurso que David Chase fez no funeral do ator: "Querido Jimmy, sua família me pediu para falar em seu velório, e estou muito honrado e comovido. Também estou com muito medo, e digo isso porque você, de todas as pessoas, entenderá isso".
Nos extras, fazendo jus ao nome do livro e à própria série, que teve muitas cenas à mesa ou na cozinha, Matt Zoller Seitz e Alan Sepinwall dão as receitas do sanduíche de gabagool e do ziti ao forno.
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