O resgate de mais de 200 trabalhadores em situação análoga à escravidão em parreirais de Bento Gonçalves faz lembrar um filme de ficção: 7 Prisioneiros (2021), em cartaz na Netflix.
O filme dirigido por Alexandre Moratto tem ótimas interpretações de Christian Malheiros e Rodrigo Santoro e foi premiado no Festival de Veneza, na categoria de longa estrangeiro da mostra paralela Sorriso Diverso, dedicada a obras com temática social que valorizem a diversidade.
7 Prisioneiros é o segundo longa-metragem de Moratto, um brasileiro criado nos Estados Unidos. Com o primeiro, Sócrates (2018), sobre um adolescente que precisa tentar sobreviver sozinho em São Paulo, enfrentando o luto, a miséria, a violência e o preconceito racial e sexual, ele ganhou o troféu Someone to Watch (alguém para ser observado) no Independent Spirit Awards, a premiação estadunidense voltada a produções independentes.
No novo filme, o diretor retoma a colaboração com a roteirista Thayná Mantesso, com o diretor de fotografia João Gabriel de Queiroz e com o ator Christian Malheiros, que faz o protagonista. Na produção, Moratto tem ao lado dois nomes que emprestam prestígio: Fernando Meirelles, cineasta de Cidade de Deus (2002) e de Dois Papas (2019), e Ramin Bahrani, indicado ao Oscar de melhor roteiro adaptado por O Tigre Branco (2021), um parente de 7 Prisioneiros — também aborda a precarização do trabalho e o processo desumanizante imposto pela lógica capitalista. Ambos os filmes dizem: subir na vida, nem que seja um mísero degrauzinho, requer pisar nos ombros de alguém.
7 Prisioneiros retrata uma realidade brasileira (e não só brasileira, como visto, por exemplo, no filme argentino O Patrão: Radiografia de um Crime e no documentário estadunidense The True Cost). Em 2022, 2.575 pessoas foram resgatadas de situações análogas à escravidão, um terço a mais do que em 2021, resultado da fiscalização de estabelecimentos pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho. Cerca de 80% das vítimas eram pretos e pardos.
Na ficção, são pretos ou pardos três dos quatro jovens recrutados na região de Catanduva, no interior de São Paulo, para trabalhar em um ferro-velho da capital paulista. Mateus (Christian Malheiros), o personagem principal, estudou até o oitavo ano e logo passa a questionar o patrão, Luca (Rodrigo Santoro), sobre direitos trabalhistas — e Luca logo revela o inferno em que a turma se meteu. Samuel (Bruno Rocha), que sonha em casar com a namorada, acha que o melhor é baixar a cabeça e fazer o serviço, confiando que ao final serão pagos. Isaque (Lucas Oranmian) em breve vai se revoltar. Completa o quarteto o analfabeto Ezequiel (Vitor Julian).
Enquanto acompanha a dinâmica e a transformação das relações no ferro-velho — um cenário que exala autenticidade e degradação, assinado por William Valduga, formado em Realização Audiovisual pela Unisinos e responsável pelo design de produção de Aos Olhos de Ernesto (2019) —, Alexandre Moratto também demonstra como um lugar desses não é isolado: está inserido em uma cadeia econômica. A chamada escravidão moderna só prospera porque há anuência, incentivo, corrupção ou, no mínimo, hipocrisia. Envolve o empresariado, políticos, agentes públicos e, claro, o consumidor.
A certa altura, dentro de um carro que se desloca pelas ruas de São Paulo, Mateus pergunta a Luca sobre um grupo de estrangeiros forçados a trabalhar: como eles chegaram aqui?
— Avião, ônibus, navio. Igual a tudo que a gente compra — responde o patrão.
— Tem muitos?
— Suficiente para manter a cidade em pé — devolve Luca, logo em seguida apontando para o céu: — Aquele fio de cobre veio lá do ferro-velho. Aí! Olha o teu trabalho aí na cidade.
Embora seja uma história ficcional, 7 Prisioneiros evita a romantização. Redenção, vingança e justiça são conceitos que talvez tenham sido difundidos demais pela fábrica de ilusões de Hollywood. Alexandre Moratto, por sua vez, enfatiza como os oprimidos podem ser contaminados pelo sistema de opressão.