Se os sete Emmys conquistados em 2021 — incluindo melhor série de comédia, ator (Jason Sudeikis), atriz coadjuvante (Hannah Waddingham) e ator coadjuvante (Brett Goldstein) — não haviam sido suficientes para convencer você a ver Ted Lasso, nesta terça-feira (12) a segunda temporada da atração disponível na Apple TV+ recebeu 20 indicações ao grande prêmio da TV e do streaming nos EUA. Entre os seriados, só perde para o drama Succession, com 25. E empata com a minissérie The White Lotus. No dia 12 de setembro, concorre novamente na principal categoria do gênero, assim como Sudeikis, Waddingham e Goldstein. Entre as atrizes coadjuvantes, também disputam Sarah Niles e Juno Temple. Entre os coadjuvantes masculinos, estão Toheeb Jimoh e Nick Mohammed. Caso você ainda não tenha visto, fique tranquilo que aqui não haverá (muitos) spoilers, mas motivos para começar a assistir.
A desconfiança não é estranha a Ted Lasso, a série, e Ted Lasso, o personagem. É que a primeira nasceu de uma forma heterodoxa: foi baseada nos comerciais de TV feitos pelo canal estadunidense NBC Sports, oito anos atrás, para promover a cobertura da Premier League, o Campeonato Inglês de futebol.
Seu astro era Sudeikis, egresso do icônico programa de humor Saturday Night Live. Ele encarnava um treinador caipira e bigodudo de futebol americano contratado para ser o técnico do Tottenham Hotspur — um dos seis clubes mais ricos no país europeu — e sofrer com as diferenças entre os dois esportes. Afinal, tem de, literalmente, trocar as mãos pelos pés.
Desenvolvida por Sudeikis, Bill Lawrence — o criador de Scrubs e Cougar Town —, Joe Kelly e o ator Brendan Hunt, a série foi lançada em agosto de 2020. Em vez do Tottenham, Ted Lasso deixa o Estado do Kansas, onde conquistou um título de uma divisão universitária, para assumir o fictício Richmond.
Trata-se de uma estratégia perversa da dona do clube, Rebecca Welton (interpretada por Hannah Waddingham, a Septã Unella de Game of Thrones). Para se vingar do ex-marido que vivia traindo- a, ela resolveu arruinar aquilo que ele mais ama, entregando o time nas mãos de alguém que não entende nada do futebol. Na companhia de seu auxiliar, o lacônico Beard (Brendan Hunt), Lasso, dado a trapalhadas físicas e verbais (incluindo alguns arroubos de franqueza), será alvo do descrédito e da zombaria pela imprensa, pela torcida e até pelos jogadores — sem falar de sabotagens cometidas pelos dirigentes. Enquanto, nos gramados, o fantasma do rebaixamento começa a aparecer, no vestiário o treinador tem que lidar com o conflito entre o craque ególatra Jamie Tartt (Phil Dunster) e o veterano carrancudo Roy Kent (Brett Goldstein).
Dito assim, pode parecer uma mera comédia esportiva com pendor para o besteirol. Mas a bola é quase um detalhe, embora ocorram treinos e jogos, e há muito mais camadas em Ted Lasso — tanto a série quanto o personagem.
Já no primeiro episódio, percebemos que o técnico é mais esperto do que parece — sua inocência proverbial rima com sua inteligência emocional, exemplo em tantos outros campos — e que há fissuras em seu aparentemente incorrigível otimismo. Os aspectos dramáticos ganham mais peso na segunda temporada, que estica a duração média dos episódios de meia hora para 40, 45 minutos.
Embora haja tropeços como o nono episódio da segunda temporada (mas que também tem seus fãs, vale frisar), cada capítulo avança significativamente em relação ao anterior. Não à toa, à medida que a temporada inicial avançava, a apreciação da crítica aumentava. Na Variety, Caroline Framke sintetizou: “Contra todas as probabilidades, Ted Lasso cortou meu ceticismo até não sobrar nenhum — assim como o próprio personagem faz com todos os que encontra. (...) Em um momento em que quase tudo parece catastrófico, há algo inegavelmente gratificante por passar algum tempo com pessoas boas que estão apenas tentando ser o melhor que podem, dentro e fora do campo”.
A generosidade é uma marca do personagem e da série, que dá espaço e tempo para coadjuvantes crescerem. Desde uma típica maria- chuteira (Keeley Jones, papel de Juno Temple) que mostra não ser uma típica maria-chuteira até um funcionário inseguro e vítima de bullying que vira uma das figuras mais respeitadas no clube (Nate, encarnado por Nick Mohammed). Ted Lasso nos ensina que, mais importante do que vencer, é desenvolver pessoas, nos lembra do que realmente importa na vida e nos contagia com sua esperança.
No elenco, vale destacar ainda Higgins (Jeremy Swift), braço-direito, ou melhor, capacho de Rebecca na direção do Richmond, e o jogador nigeriano Sam Obisanya (Toheeb Jimoh). Tendo Ted Lasso sempre ao lado, objetiva ou metaforicamente falando, esses personagens vão enfrentar perrengues, amadurecer e nos divertir — não necessariamente nessa ordem.
Aliás, apesar de nos fazer rir, Ted Lasso também pode nos flagrar soluçando de tanto chorar (faltou lenço para secar o rosto nos episódios do Natal e do corte de cabelo, ambos na segunda temporada). Uma cena que talvez resuma a variação de sentimentos despertada é aquela em que jogadores, comissão técnica e dirigentes se reúnem para tentar acabar com uma maldição no estádio do Richmond. Após dizer que nada dura para sempre — “ Com exceção do charme e da sabedoria de Calvin & Haroldo” (quase morri com a citação da minha tira de quadrinhos favorita!) —, Ted insta a turma a sacrificar um objeto pessoal. Uns vão nos comover pondo para queimar coisas como o cobertorzinho dado por um avô para encarar os primeiros anos no futebol infantil, ou a foto da seleção da Nigéria que teve uma campanha marcante na Copa do Mundo de 1994. Outros vão provocar gargalhadas: um jogador francês se desfaz de um punhado de areia colhido em St. Barts, a praia — ele explica, emocionado — onde transou pela primeira vez com uma supermodelo. Nate joga fora os óculos escuros que lhe renderam um elogio inesquecível:
— Uma garota disse que eu parecia o Clive Owen.