Depois de apresentar a minha lista dos melhores filmes de 2021 (e onde assistir), chegou a vez de publicar a seleção elaborada junto aos leitores da coluna.
No grupo de WhatsApp que lançamos em novembro, com o apoio inestimável das minhas colegas Laís Camargo e Gabriela Plentz, ambas integrantes da editoria de Comunidade e Redes, trocamos dicas diariamente. Virou um "Clube de Filmes e Séries", como definiu um participante.
A turma é heterogênea nos gostos, mas fiquei feliz com a convergência nos rankings afetivos: o primeiro colocado é o mesmo em ambas as listas, e no total quatro dos 10 títulos dos leitores coincidem com os meus. Além disso, outros quatro foram citados nas minhas menções honrosas. Clique nos links se quiser saber mais.
Menções honrosas: A Escavação (Netflix) e Marighella (Globoplay)
10º) Meu Pai
Na companhia do inglês Christopher Hamtpon, o diretor francês Florian Zeller ganhou o Oscar de roteiro adaptado por transformar uma peça de teatro em uma experiência que só um filme é capaz de oferecer. Mergulhamos na mente do octogenário protagonista desafiado pela degeneração da memória. O Oscar de melhor ator coroou o brilhante e comovente desempenho de Anthony Hopkins. (Apple TV, Google Play e YouTube)
9º) Nomadland
Do Leão de Ouro no Festival de Veneza aos Oscar de melhor filme e direção, a chinesa radicada nos EUA Chloé Zhao ganhou praticamente tudo. Com um olhar sensível tanto para com os personagens quanto para com as paisagens, acompanha o cotidiano de uma mulher (Frances McDormand, Oscar de melhor atriz) que, após o colapso econômico de uma cidade industrial, precisa morar dentro de uma van e passa a conviver com nômades de verdade. (Telecine)
8º) 7 Prisioneiros
Dirigido pelo brasileiro radicado nos EUA Alexandre Moratto, este drama contundente sobre trabalho escravo e tráfico humano foi um dos filmes mais polarizadores do ano. Christian Malheiros encarna Mateus, um dos quatro jovens do interior paulista que vão parar em um ferro-velho comandado pelo personagem de Rodrigo Santoro, um lugar com condições precárias e sem direitos trabalhistas. (Netflix)
7º) Bela Vingança
Ganhador do Oscar de melhor roteiro original, o primeiro longa dirigido pela atriz britânica Emerald Fennell conta com uma atuação extraordinária de Carey Mulligan. Ela interpreta Cassie, que finge estar bêbada, desnorteada e desamparada em bares para atrair homens que, por sua vez, fingem não compactuar com a cultura do estupro. A mistura de visual colorido e tema sombrio do filme é muito bem resumida na cortante versão instrumental de uma canção pop de Britney Spears, Toxic, aqui executada apenas ao violino, à viola e ao cello. (Apple TV, Google Play e YouTube)
6º) Cruella
É um dos dois únicos filmes que nem entraram na minha pré-seleção. Ambientado na Londres dos anos 1970 e embalado por uma trilha onipresente que inclui Rolling Stones (obviamente, com a lugar-comum Sympathy for the Devil), Queen, David Bowie, Supertramp, The Clash e Deep Purple, o filme é pré-101 Dálmatas, ou seja, foca na transformação da jovem estilista Estella (interpretada por Emma Stone) na fashionista nefasta Cruella de Vil. Além dos figurinos bolados por Jenny Beavan e do trabalho de maquiagem e cabelos, vale destacar a atuação de Paul Walter Hauser como Horace/Horácio, um dos ajudantes da aspirante a vilã (o outro é Gaspar, vivido por Joel Fry).
Cruella, como escreveu meu colega William Mansque, é uma das piores vilãs da Disney: "É ela quem almejava matar 99 filhotes de dálmatas só para produzir um casaco de pele". Agora, uma cena trágica "justifica" seu ódio. E a personagem vira uma anti-heroína, já que encara gente muito pior (a Baronesa, papel de Emma Thompson). Não por acaso, a Disney escalou como diretor o australiano Craig Gillespie, que em Eu, Tonya (2017) mostrara a versão da patinadora Tonya Harding (vivida por Margot Robbie) para um dos maiores escândalos do esporte olímpico: o caso de agressão a Nancy Kerrigan, sua rival na equipe dos EUA para os Jogos de Inverno de 1994. (Disney+)
5º) Quo Vadis, Aida?
No filme que representou a Bósnia e Herzegovina no Oscar 2021, uma tradutora da ONU (papel de Jasna Duricic) tenta salvar o marido e os dois jovens filhos do Massacre de Srebrenica, perpetrado por tropas sérvias em julho de 1995. A cineasta Jasmila Zbanic defende a verdade como única forma de lidar com guerras, ditaduras, regimes de apartheid oficiais ou não oficiais, perseguições políticas, étnicas, religiosas etc. e faz um alerta: nunca podemos fechar os olhos para os traumas do passado. (Apple TV, Google Play e YouTube)
4º) Imperdoável
Também não chegou a figurar nas minhas menções honrosas, mas tenho mais apreço do que objeções a este drama da diretora alemã Nora Fingscheidt baseado em uma minissérie inglesa e protagonizado pela atriz estadunidense Sandra Bullock. Ela interpreta Ruth Slater, que, após cumprir 20 anos de prisão por causa de um homicídio, tenta reconstruir a vida em Seattle e reencontrar a irmã caçula. Muitos coadjuvantes povoam a trama, como a mana, Katherine (Aisling Franciosi), que foi adotada e virou uma talentosa pianista, o advogado encarnado por Vincent D'Onofrio e os irmãos ligados ao crime cometido duas décadas atrás. Problemas de ritmo ou mesmo de plausibilidade são suplantados pela atuação de Bullock, que encontra um interessante equilíbrio entre a restrição e o brio, pela carga emotiva e pelos temas levantados (alguns mais trabalhados, outros nem tanto, vale dizer), como: todos temos direito a uma segunda chance? Por quanto tempo pode-se esconder de alguém um trauma? Qual é a força dos laços familiares? (Netflix)
3º) Luca
O 24º filme de animação da Pixar mantém o alto nível das produções do estúdio que faz parte da Disney, mas muda bastante o tom. Aqui, são deixados de lado temas como a morte, o luto, o esquecimento e a obsolescência. O desenho animado dirigido por Enrico Casarosa é uma aventura sobre aquele momento entre a infância e a adolescência que estamos tentando descobrir que o mundo é maior do que a gente conhece. A história se passa na Itália, durante um verão, e tem como protagonista um monstro marinho, o Luca, que, a convite de um amigo, o Alberto, resolve curtir a vida entre os humanos. É tudo muito divertido, mas eles precisam cuidar para não revelarem sua real identidade, e isso permite que Luca, o filme, seja visto como uma alegoria sobre a condição de grupos que costumam ser excluídos, oprimidos, desprezados, humilhados ou até agredidos pela sociedade, como minorias étnicas e religiosas, imigrantes, refugiados e a população LGBTQIA+. (Disney+)
2º) O Tigre Branco
Indicado ao Oscar de melhor roteiro adaptado, o filme do estadunidense de família iraniana Ramin Bahrani foi apontado como "o Parasita de 2021". De fato, há semelhanças. Ambos são ambientados na Ásia, Parasita na Coreia do Sul e O Tigre Branco na Índia, ambos retratam o abismo profundo entre os ricos e os pobres e ambos mostram personagens ambíguos agarrando uma rara chance de ascensão com todos os dentes e sem pudores. O protagonista de Bahrani é Balram (em grande interpretação de Adarsh Gourav), um narrador pouco confiável da própria trajetória desde a dura infância em Laxmangarh, vilarejo explorado por uma família mafiosa. No começo do filme, ele abre o jogo: "Um empresário indiano deve ser ético e antiético, crente e descrente, malicioso e sincero, tudo ao mesmo tempo". Ele simplifica a complexa estratificação social de seu país: existem dois tipos de pessoas, as que passam fome e as que desenvolvem uma barriga. Os patrões e os serviçais. Como Balram pulou de um lado para o outro? (Netflix)
1º) Ataque dos Cães
Indicado a sete Globos de Ouro e vencedor do Leão de Prata no Festival de Veneza, é um dos maiores favoritos ao Oscar. A diretora Jane Campion, a mesma de O Piano (1993), faz um faroeste tardio (se passa em 1925) e desconstrutivo. Não espere bangue-bangue: este é um filme extremamente tátil, pleno de silêncios e olhares ora furtivos, ora eloquentes. Forma e conteúdo se combinam: Ataque dos Cães trata de atrito e de atração e é povoado por personagens ambíguos, com desejos sexuais reprimidos que podem levar a situações de perigo.
O protagonista é interpretado por Benedict Cumberbatch, o Sherlock da série de TV e o Doutor Estranho do Universo Cinematográfico Marvel, no grande desempenho de sua carreira. Seu personagem, Phil Burbank, estudou na prestigiada faculdade Yale mas preferiu levar uma vida de bronco. Essa vida começa a ser abalada quando o irmão dele (Jesse Plemons) se casa com uma mãe viúva (Kirsten Dunst), que tem um filho adolescente de traços e modos delicados (Kodi Smit-McPhee). Daí por diante, Campion mostra como a masculinidade tóxica pode destruir não apenas tudo em que toca, mas também ser nociva para seu portador. (Netflix)