O Dia da Consciência Negra é celebrado em 20 de novembro porque nessa data, em 1695, foi morto Zumbi, o último líder do Quilombo dos Palmares, um símbolo da resistência contra a escravidão no Brasil. Para marcar esta sexta-feira, 20/11, fiz uma lista com 20 ficções e 11 documentários — incluindo Branco, Sai, Preto Fica, que é de 2014 mas tornou-se tristemente atual diante do caso João Alberto Freitas.
São filmes que abordam a herança nefasta dos mais de 300 anos de escravatura, continuada sob a forma do racismo, da exclusão social, da violência policial. Nos elencos, você observará nomes recorrentes, como os de Antonio Pitanga, Ruth de Souza, Zezé Motta e, mais recentemente, Lázaro Ramos. Por um lado, é a prova do talento dos atores e das atrizes; por outro, não deixa de sinalizar que as portas do estrelato são mais estreitas dependendo da cor do artista. Também chama atenção a quantidade de prêmios conquistados e a frequência em festivais prestigiados, incluindo os de Cannes e de Berlim.
Escolha o(s) seu(s) e assista — muitos títulos estão disponíveis em plataformas de streaming como Amazon Prime Video, Globoplay e Netflix.
20 ficções
O Assalto ao Trem Pagador (1962)
Baseado em uma história real, o clássico de Roberto Farias traz no elenco Eliezer Gomes (como Tião Medonho), Grande Otelo (Cachaça) e Ruth de Souza (Judith). O conflito entre o favelado Tião, que quer usar parte do dinheiro roubado para garantir o futuro dos filhos, e Grilo Peru (Reginaldo Faria), o único branco e burguês do bando, reflete o racismo que permeia as relações de poder.
Barravento (1962)
No seu primeiro longa-metragem, o diretor baiano Glauber Rocha acompanha um ex-pescador (Antonio Pitanga) que volta à aldeiazinha onde nasceu para tentar livrar o povo do domínio religioso. No elenco, a gaúcha Luiza Maranhão, a deusa negra do Cinema Novo.
Ganga Zumba (1963), Xica da Silva (1976) e Quilombo (1984)
O cineasta Cacá Diegues rodou uma trilogia sobre os tempos da escravidão no Brasil. Ganga Zumba, protagonizado por Antonio Pitanga, é sobre o primeiro líder do Quilombo dos Palmares — refúgio de escravos em região que hoje pertence ao Estado de Alagoas e que teve seu apogeu na segunda metade do século 17.
Estrelado por Zezé Motta, Xica da Silva retrata a paixão de um comendador português (Walmor Chagas) por uma escrava no século 18 — ganhou os prêmios de melhor filme, diretor e atriz no Festival de Brasília. Nos anos 1990, virou novela, com Taís Araújo no papel principal. Quilombo, que reconstitui a trajetória de Palmares, reúne atores como Tony Tornado (Ganga Zumba), Antônio Pompeo (Zumbi), Zezé Motta (Dandara), Zózimo Bulbul (Homem da Pedra) e Grande Otelo (Baba).
Madame Satã (2002)
O filme escrito e dirigido por Karim Aïnouz alçou Lázaro Ramos, que vive um mito da boemia carioca, João Francisco dos Santos (1900-1976). Negro, pobre e homossexual, também foi pai adotivo, capoeirista, cozinheiro, artista e presidiário. Inventou para si personagens como Mulata do Balacoché, Jamacy, a Rainha da Floresta, Gato Maracajá e Madame Satã — nome que sintetiza sua dualidade: era feminino e sofisticado, masculino e violento. Exibição nesta sexta-feira (20), às 23h40min, no Canal Brasil.
De Passagem (2003)
Vencedor dos Kikitos de melhor filme, diretor (Ricardo Elias), roteiro e ator coadjuvante (Fabinho Nepô), além do prêmio da crítica no Festival de Gramado, o longa propõe uma ruptura: focar a periferia não mais como a moradia dos bandidos, mas como terra fértil. Nesse sentido, a trilha sonora é significativa: sai o tradicional rap e entram os violinos e oboés da música composta por André Abujamra. O drama entrelaça presente e passado para apresentar os rumos distintos dos irmãos Jeferson (Silvio Guindane, de Bom Dia, Verônica) e Washington e do amigo Kennedy (Nepô), que viviam juntos na infância. Elias retomaria esse universo em 12 Trabalhos (2006), sobre um rapaz, Herácles (Sidney Santiago), que, após sair do reformatório, consegue emprego de motoboy. O filme recebeu prêmios nos festivais de Havana e de Recife.
Filhas do Vento (2004)
Um grande elenco foi reunido pelo diretor Joel Zito Araújo nesse melodrama ambientado em Lavras Novas, município mineiro de população majoritariamente negra. A morte do pai, o severo Zé das Bicicletas, provoca o reencontro das irmãs Cida, que fugira da família para ser atriz, e Ju, que havia ficado em casa. Essas personagens são encarnadas por Taís Araújo e Thalma de Freitas na juventude e pelas grandes Ruth de Souza e Léa Garcia na maturidade. As quatro atrizes foram premiadas no Festival de Gramado, onde Filhas do Vento também faturou os Kikitos de melhor diretor, ator (Milton Gonçalves), ator coadjuvante (Rocco Pitanga) e o troféu da crítica.
Quanto Vale ou É por Quilo? (2005)
Inspirado no conto Pai Contra Mãe, de Machado de Assis, o diretor paranaense Sérgio Bianchi aponta sua "câmera-faca" (na definição do ensaísta e professor de cinema João Luiz Vieira) para a hipocrisia do assistencialismo e do trabalho voluntário no Brasil, mostrados como fachada para empresas e indivíduos concretizarem seus projetos próprios de enriquecimento e ascensão social. Compara a exploração do escravo negro pelo senhor branco nos séculos 17 e 18 com a suposta mercantilização da pobreza feita por ONGs. Zezé Motta, Lázaro Ramos e Silvio Guindane estão no elenco.
Ó Paí, Ó (2007)
No cortiço do Pelourinho, em Salvador, onde se abrigam os personagens do filme dirigido pela baiana Monique Gardenberg, a rotina é a falta de grana, de água, de perspectiva. Mas, nesse último dia de Carnaval em que se passa a história, prevalece a receita do compositor Batatinha, agregada à trilha sonora assinada por Caetano Veloso: "Dê passagem à alegria, nem que seja por um dia". Estrelado por Lázaro Ramos, Wagner Moura, Dira Paes, Stênio Garcia e Emmanuelle Araújo, deu origem a um seriado na Globo. Disponível no Globoplay.
Besouro (2009)
Filme de ação dirigido por João Daniel Tikhomiroff sobre o capoeirista Manuel Henrique Pereira (1895-1924), vivido por Aílton Carmo. Representou o Brasil na mostra Panorama do Festival de Berlim. Disponível no Google Play e no YouTube.
Mister Brau (2015)
Compilação de episódios do seriado cômico criado por Adriana Falcão e Jorge Furtado. O Mister Brau do título é um cantor em ascensão interpretado por Lázaro Ramos. A esposa do ator, Taís Araújo, encarna a esposa do personagem, Michele, dublê de coreógrafa e empresária. As quatro temporadas estão disponíveis no Globoplay.
Café com Canela (2017)
Realizado no Recôncavo Baiano, o filme de estreia de Ary Rosa e Glenda Nicácio intercala passado e futuro para mostrar a trajetória de duas mulheres marcadas pela perda: Margarida, ex-professora (Valdineia Soriano, Candango de melhor atriz no Festival de Brasília), e uma antiga aluna, Violeta (Aline Brunne), que vende coxinhas para ajudar no orçamento familiar. Também recebeu, em Brasília, os troféus de melhor roteiro e melhor filme pelo público. Disponível no Amazon Prime Video.
Praça Paris (2017)
A relação entre uma terapeuta portuguesa e uma de suas pacientes na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a ascensorista Glória (Grace Passô), estuprada pelo pai quando criança e irmã de um perigoso traficante de drogas, Jonas (Alex Brasil), que está na prisão. O longa de Lúcia Murat venceu nas categorias melhor direção e melhor atriz no Festival do Rio. Disponível no Google Play e no YouTube.
Corpo Quilombo (2018)
O filme de Leonel Costa e Patrícia Miranda mescla fragmentos biográficos de personalidades negras históricas e dramatizações com personagens fictícios, promovendo, em um palco, um encontro de gerações.
Correndo Atrás (2018)
O cineasta paulista Jeferson De criou, em 2000, o Dogma Feijoada (que postulava filmes com diretor e protagonista negros, com temas da cultura negra brasileira, e proibia estereótipos). No seu currículo, tem o curta Carolina (2003), sobre a escritora Carolina de Jesus (interpretada por Zezé Motta), e o longa Bróder (2010), ambos multipremiados no Festival de Gramado.
Em Correndo Atrás, ele retrata em tom de comédia o universo do futebol. Ailton Graça interpreta Ventania, que, depois de fazer muitos bicos, tenta a sorte como empresário de boleiros. Aí, ele conhece o jovem e pobre Glanderson (Juan Paiva), que é talentoso, apesar de uma deficiência física: não tem dois dedos do pé. Lázaro Ramos está no elenco, e BNegão assina a trilha sonora. .
Sócrates (2018)
Depois da morte da mãe, o adolescente Sócrates (Christian Malheiros) precisa tentar sobreviver sozinho em São Paulo, enfrentando o luto, a miséria, a violência e o preconceito em relação a sua cor e a sua sexualidade. O diretor Alexandre Moratto ganhou o troféu Someone to Watch (alguém para ser observado) no Independent Spirit Awards, a premiação americana voltada a produções independentes. Disponível no Google Play e no YouTube.
Temporada (2018)
O filme do diretor André Novais Oliveira narra a história de Juliana (Grace Passô), mulher que acaba de se instalar na periferia de Contagem, para trabalhar no combate à dengue. Enquanto isso, espera o marido vir de mudança também. Mas ele pode nunca chegar, em mais uma situação que põe à prova a força de uma mulher negra e da periferia. Disponível na Netflix, no Google Play e no YouTube.
Casa de Antiguidades (2020)
Único filme brasileiro na seleção oficial do mais recente Festival de Cannes, o longa de João Paulo Miranda teve estreia nacional nesta quinta-feira (19) — Porto Alegre ficou de fora da primeira rodada. Antonio Pitanga vive Cristovam, um operário negro do sul do Brasil que luta contra o racismo estrutural e o conservadorismo político da cidade onde mora.
Todos os Mortos (2020)
Com estreia prevista para 10 de dezembro, o filme de Caetano Gotardo e Marco Dutra se passa em 1899, 11 anos após a assinatura da Lei Áurea. Enquanto as irmãs Soares, da aristocracia paulista, entram em ruínas com a abolição da escravidão, a família Nascimento vive numa sociedade sem lugar para negros libertos. Todos os Mortos competiu na seleção oficial do Festival de Berlim e recebeu os Kikitos de ator coadjuvante (Thomas Aquino), atriz coadjuvante (Alaíde Costa) e música original (Salloma Salomão) em Gramado.
11 documentários
Abolição (1988)
Documentário do ator e diretor Zózimo Bulbul feito no centenário da Abolição. Entre as personalidades que dão depoimentos sobre a vida dos negros no país estão Benedita da Silva, Grande Otelo, Gilberto Freyre e Agnaldo Timóteo.
A Negação do Brasil (2000)
Antológico, o documentário de Joel Zito Araújo faz uma retrospectiva das telenovelas no Brasil, analisando os papéis destinados aos atores negros — coadjuvantes, estereotipados, submissos. Coincidentemente, foi lançado no mesmo ano em que o americano Spike Lee lançou olhar semelhante para Hollywood, em A Hora do Show (um filme que precisa ser resgatado por alguma plataforma de streaming). Aparecem em A Negação do Brasil Léa Garcia, Milton Gonçalves, Ruth de Souza, Zezé Motta, João Acaiabe, Nelson Xavier e Maria Ceiça, entre outros artistas. O filme levou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Recife.
Cidade de Deus: 10 Anos Depois (2013)
O documentário de Cavi Borges e Luciano Vidigal se debruça sobre a trajetória de atores que estrelaram o filme Cidade de Deus (2002), indicado a quatro Oscar. A partir dos depoimentos de Seu Jorge, Alice Braga, Darlan Cunha, Douglas Silva, Roberta Rodrigues e Leandro Firmino da Hora, entre outros, os diretores e os entrevistados discutem questões como racismo, preconceito, ascensão social, solidariedade e o cotidiano das comunidades periféricas brasileiras. Disponível na Netflix.
Branco Sai, Preto Fica (2014)
Essa foi a frase dita por um dos policiais que invadiram um baile de black music em Ceilândia, no Distrito Federal, em 1986. Combinando de forma inventiva o registro documental com a ficção científica, o diretor Adirley Queirós apresenta um contundente painel sobre a desigualdade racial no Brasil.
Seus protagonistas são dois homens que arrastam os efeitos daquela noite violenta. Branco Sai, Preto Fica conquistou os Candangos de melhor filme, ator (Marquim do Tropa) e direção de arte em Brasília e o prêmio de melhor filme latino-americano no Festival de Mar del Plata. Disponível na Netflix.
Ah, Branco, Dá um Tempo! (2015)
Documentário nascido da campanha homônima desenvolvida por alunos da Universidade de Brasília (UnB), a primeira federal a implementar cotas raciais. Sob direção de Matheus Lima, os estudantes relatam episódios de racismo. Pode ser assistido neste link.
Kbela (2015)
Curta-metragem de Yasmin Thayná sobre mulheres negras que lutam para preservar a beleza natural de seus cabelos crespos, sob a pressão social e midiática que prega o liso como "bonito". Disponível no site kbela.org.
Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil (2016)
O filme de Belisário França documenta a investigação do historiador Sidney Aguilar a partir de uma descoberta apavorante: nos anos 1930, 50 meninos negros e mulatos foram tirados de um orfanato do Rio de Janeiro para serem escravos em uma fazenda no interior paulista. Disponível no Looke, via Amazon Prime Video.
Pitanga (2016)
A trajetória do ator baiano Antonio Pitanga, hoje com 81 anos, contada por sua filha, a atriz Camila Pitanga, e pelo cineasta Beto Brant. Disponível no Amazon Prime Video.
O Caso do Homem Errado (2017)
O documentário dirigido por Camila de Moraes recupera a história do operário negro Júlio César de Melo Pinto, executado dentro de uma viatura da Brigada Militar em 14 de maio de 1987, após ser preso, ao ser confundido com um assaltante, no bairro Partenon, em Porto Alegre. Disponível no Globoplay.
Auto de Resistência (2018)
Filme sobre os homicídios praticados pela polícia contra civis no Rio de Janeiro. Direção de Natasha Neri e Lula Carvalho.
Bixa Travesty (2018)
O filme de Claudia Priscilla e Kiko Goifman enfoca a vida e a carreira da cantora e atriz transexual paulistana Linn da Quebrada, 30 anos. Ganhou o prêmio Teddy, destinado a obras com temática LGBT+, de melhor documentário no Festival de Berlim. Disponível no Google Play e no YouTube.