Lançados pela Netflix, Power, Origens Secretas e Freaks: Um de Nós engrossam o calendário 2020 de filmes e séries sobre super-heróis. Essa lista inclui Arlequina e as Aves de Rapina, The Old Guard, as segundas temporadas de Novos Titãs, The Umbrella Academy, The Boys e Patrulha do Destino e o vindouro Mulher Maravilha: 1984. Mas esses sete títulos são baseados em histórias em quadrinhos, ao contrário dos três longas-metragens citados inicialmente.
A existência do americano Power, do espanhol Origens Secretas e do alemão Freaks comprova que o super-heroísmo virou um gênero à parte na indústria cinematográfica, capaz de prescindir de marcas e personagens fortes – como DC e Marvel, Batman e Homem-Aranha. Por outro lado, os três filmes também denotam um certo esgotamento intelectual: não faltam a eles ideias interessantes e elementos curiosos, mas todos acabam caindo em soluções gastas e sendo rasos em desenvolvimento dramático.
De certa forma, os três partem do mesmo ponto, já bastante trabalhado nos quadrinhos: o que aconteceria se houvesse pessoas com superpoderes? Como seriam os super-heróis – ou os supervilões – do mundo real?
Power adota uma perspectiva pessimista. No filme dos diretores Henry Joost e Ariel Schulman (o mesmo do instigante Nerve: Um Jogo Sem Regras), Rodrigo Santoro interpreta Biggie, traficante de uma pílula que, durante cinco minutos, desperta no usuário superpoderes imprevisíveis. Seis semanas depois de ele distribuir uma grande carga da droga em Nova Orleans, nos Estados Unidos, a cidade virou um lugar perigoso, com alta taxa de criminalidade. Todo mundo quer experimentar o comprimido para descobrir que habilidade especial está oculta dentro de si. Uns se tornam incendiários, outros, absolutamente maleáveis. Mas quase ninguém quer ser super-herói – ao contrário do lema do Homem-Aranha, grandes poderes trazem grandes irresponsabilidades.
Bem bacana na fotografia e nos duelos corpo a corpo, Power trafega entre o clichê e a previsibilidade, com uma passadinha pela inverossimilhança e pela enrolação. Por exemplo: todos nós sabemos que os personagens encarnados por Jamie Foxx (o ex-militar Art, chamado de Major), Dominique Fishback (a estudante de Ensino Médio Robin) e Joseph Gordon-Levitt (o policial Frank) vão se aliar, então por que perder tempo fazendo o último caçar o primeiro?
Baseado em um romance escrito por seu diretor, David Galán Galindo, Origens Secretas envereda pela comédia, pela paródia, pelo pastiche. Faz, deliberadamente, uma salada com os enredos dos filmes Seven: Os Sete Crimes Capitais (1995) e Corpo Fechado (2000), temperada por diversas citações ao Batman e a heróis da Marvel. Na trama, Javier Ray interpreta um detetive de Madri chamado David – mesmo nome do policial encarnado por Brad Pitt em Seven –, encarregado de investigar uma série de assassinatos temáticos (novamente, à la Seven). O criminoso está se inspirando nos gibis de origem de personagens como o Hulk e o Homem de Ferro. Daí, a delegada Norma (Verônica Echegui), cosplay não apenas nas horas vagas, determina que David tenha uma espécie de parceiro mais ou menos mirim: Jorge Elías (Brays Efe), um nerd com estereótipo antiquado.
Em mim, o filme sequer fez cócegas. A única exceção foi quando se permitiu ser, de fato, nerd, em uma piada sobre o roteirista Brian Michael Bendis que só os entendidos vão, hã, entender. Sua porção thriller de mistério é boba e óbvia demais. O elenco é desconjuntado – como bem definiu André Bozzetti no site Sala Crítica, parece que os atores receberam seus roteiros em casa e chegaram ao set de filmagem sem qualquer conversa anterior com os demais colegas, pois cada um atira para um lado no tom da interpretação. De positivo, apenas a mórbida recriação das origens dos super-heróis, eficiente e impactante.
Freaks, do diretor Felix Binder, é praticamente o ponto de equilíbrio entre Power e Origens Secretas, dosando melhor o drama, o suspense e o humor Se por um lado é o que menos tem a oferecer no visual e na ação, é o que mais, digamos, suscitou reflexões, ainda que sua trama seja simplória.
A protagonista é Wendy (papel de Cornelia Gröschel), 20 e tantos anos, casada com um segurança, mãe de um guri que sofre bullying e empregada em uma restaurante de posto de gasolina. Leva uma vidinha sem brilho e com dívidas: a família está à beira do despejo. Seu sonho de conseguir uma promoção é sempre barrado pela gerente turrona.
Tudo começa a mudar quando um morador de rua, Marek (Wotan Wilke Möhring), insinua que ela é mais do que aquilo:
— Você é uma de nós (frase que cita uma cena antológica do filme de terror americano de 1932 Monstros – Freaks, no original –, um cult do gênero).
Nós, no caso, são as pessoas com habilidades especiais – a de Marek, apropriadamente, já que vive sob condições muito adversas, é ser indestrutível. Assim, Freaks trabalha a ideia de que há amarras – sociais, políticas, econômicas, culturais, pessoais etc – que impedem as pessoas de enxergarem seu potencial para o extraordinário. E, quando entramos em contato com esse poder sobre-humano, há aqueles que se deixam embriagar, como o jovem Elmar (Tim Oliver Schultz), que se transforma no Electroman.
A partir daí, o longa-metragem começa a seguir uma cartilha básica, até culminar em um um desfecho totalmente previsível, inclusive em sua promessa de recomeço. Mas Freaks exerce uma espécie de charme afarofado, exala um entusiasmo contagiante e faz um chamamento sincero pela autoconfiança, características acentuadas, respectivamente, pela trilha sonora com (I Just) Died in Your Arms (Cutting Crew), I Promised Myself (Nick Kamen) e Listen to your Heart (Roxette).