Acredito que para entender a cultura de um lugar é preciso viver, transpirar, compreender. Mais do que estudar como a história se deu, o conhecimento cultural necessita vivência, experiência. Assim é na música. Muitas vezes, o conhecimento técnico não é suficiente para transpirar um ritmo, uma poesia, uma canção.
Luiz Carlos Borges (à direita na foto) sempre me ensina isso. Com 50 anos de música, talvez não precisasse mais voltar ao passado, revisitar parceiros e seguir na busca do entendimento da regionalidade do sul, ao mesmo tempo, que divide seu conhecimento com os jovens que se achegam. Mas o faz. Foi assim quando revisitou as obras do Conjunto Farroupilha e dos Gaudérios e quando levou 25 anos para terminar Itinerário de Rosa musicando a obra de Apparicio Silva Rillo, apenas para citar duas obras de sua carreira.
Borges é incansável em beber na fonte daqueles que são referência do regionalismo, daqui e de qualquer lugar. Por isso sempre cita Luiz Gonzaga e sabe tudo dos pioneiros do chamamé argentino.
Depois de tanto viajar o mundo, rever sua própia obra e um sem fim de parcerias, Borges volta a um dos ícones da música feita aqui: Telmo de Lima Freitas (à esquerda na foto).
Deixando de lado o rebusque de arranjos e as – muitas vezes – difíceis melodias da sua composição, para reencontrar-se com a simplicidade universal do galpão e da música de Telmo. Aliás, nesse galpão onde objetos tradicionais, fogo de chão e animais convivem em plena harmonia, Borges vivenciou ao lado da família e de alguns parceiros, como Vinicius Brum e Felipe Constant, o projeto Jaguaretês.
Mais que um disco – em CD e vinil -, é um projeto que relê da maneira mais autêntica possível a obra deste que é sem dúvida, como afirmou o jornalista Renato Mendonça, um dos pilares da nossa tradição. Telmo e Borges já se encontraram muitas vezes nos caminhos da arte. Na quinta-feira, o Theatro São Pedro viveu esse momento mágico e fundamental da música regional brasileira.
A obra de Telmo sempre apresentou a identidade gaúcha de forma abrangente, seja falando de um Baile de Rancho, do vento Minuano, da esquila, as crendices, a natureza, o amor, as inquietudes humanas, como em Rosa da Vida:
“Quem nasceu para ser nuvem, não pode ficar
Quem nasceu para dar sombra, não pode passar”.
Por isso Telmo deve estar para sempre na audição de quem deseja conhecer a música produzida aqui. Mais uma grande obra na história de Borges e na música do Rio Grande do Sul, provando que dois tigres podem, sim, habitar o mesmo capão. Jaguaretês, ouça a partir de hoje nas plataformas digitais.