Fazendo uma breve retrospectiva da minha vida até esse ponto, mesmo tendo um longo futuro pela frente, acredito que posso dizer que venci.
Não tenho a pretensão de falar que já estou com vida ganha, porque isso está longe de ser verdade, mas analisando onde nasci e possibilidades que eu tinha, percebo que minha trajetória foi até o momento bastante exitosa e isso me alivia um pouco.
Quantos jovens e crianças negros podem falar isso? Recentemente, ao encontrar com alguns amigos de infância, conversamos sobre outros amigos em comum que tínhamos na época da escola, e isso me fez pensar nas voltas que a vida dá e como praticar esportes me levou a lugares inimagináveis.
E nessa sucessão de pensamentos também me veio à mente que, se não fosse o esporte, seria difícil, para não dizer impossível, eu vivenciar talvez 90% das experiências que tive. Além disso, seria uma tarefa ainda mais hercúlea eu ter a capacidade de mudar de vida, ascender socialmente ou até mesmo me formar no ensino superior (sou o primeiro formado da família por parte de pai) se não estivesse inserido no meio esportivo.
Em vários textos meus já mencionei isso, mas repito, essa é a mágica do esporte que muitas vezes não é percebida pelas pessoas. É um dos poucos meios que permitem alguém mudar de vida através do esforço próprio. Não ouso dizer que é um meio igualitário, porque não é, mas talvez seja um dos poucos ambientes em que há pouca desigualdade.
Pelo menos dentro da competição, o primeiro a cruzar a linha de chegada, saltar mais alto ou lançar mais longe vence. Há desigualdade nas estruturas para treinamentos ou equipamentos, por exemplo, alguns atletas podem treinar em pistas improvisadas, de carvão ou terra, enquanto outros treinam em pistas sintéticas importadas da Europa.
E por ser um dos poucos meios que permite pessoas negras ascenderem socialmente, é um ambiente muito procurado por famílias na esperança de uma vida melhor. O futebol é o principal exemplo disso.
Isso para mim não é problema, mas me incomoda o fato de que esse é um dos únicos meios pelos quais uma pessoa negra “pode” ascender. É uma falha muito grande no sistema que privilegia poucos e exclui a maioria.
É imprescindível que a população negra tenha oportunidades em mais áreas, que haja incentivo para isso, que nossas crianças consigam se inspirar nos seus e visualizar que elas podem chegar em qualquer lugar que elas quiserem, não só como um grande jogador que vai para a Europa.
Nós, como população negra, também precisamos incentivar os jovens e crianças a sonharem ser o que quer que seja. Temos feito grande progresso nos últimos anos, principalmente com a política de cotas e com uma crescente preocupação de algumas empresas em ter um quadro de funcionários mais diverso, mas ainda assim é um problema estrutural.
Para mudar a estrutura precisamos de pessoas que estejam dispostas a isso. É necessário entender que existe mais de um caminho.