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Do ponto de vista emocional, é difícil para os brasileiros aceitarem que Fernanda Torres tenha perdido o Oscar de melhor atriz para Mikey Madison. Estávamos todos convencidos de que a grande adversária de Fernanda seria Demi Moore, mas os eleitores da Academia optaram pela jovem protagonista de Anora. Fernanda é uma vencedora. Porque, sem a sua atuação magistral, Walter Salles dificilmente ganharia o Oscar de melhor filme internacional.
Do ponto de vista político, o Oscar recebido por Ainda Estou Aqui é mais importante, porque é simbólico. Premiou-se não só a direção de Walter Salles, mas também a atuação dos atores, dos técnicos, dos roteiristas e, por óbvio, o livro de Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens e Eunice. Marcelo contou a história da mãe — esteio da família depois da morte do ex-deputado — e nela sintetizou o que esta coluna tem chamado de “uma página infeliz da nossa história”, copiando Chico Buarque em Vai Passar.
Quem assistir ao filme vai saber um pouquinho de como funcionava a máquina da repressão na ditadura. É um recorte, com foco na mulher que vai do conforto de uma vida tranquila em frente ao mar do Leblon para o pesadelo de uma prisão injusta e sem sentido.
Apesar de a cena mais destacada do filme ser aquela da foto para a revista Manchete, em que ela diz “nós vamos sorrir, sorriam”, a mais impactante é a do banho depois de sair da prisão. É como se aquela bucha que Eunice esfrega no corpo magro e nos pés sujos limpasse e mandasse para o ralo a dor, a humilhação e o desespero, para renascer no dia seguinte como a mãe que terá de criar cinco filhos sem o marido e sem um atestado de óbito que confirme sua morte.
Nós, jornalistas, temos orgulho de saber que o desfecho da história de Rubens Paiva foi contado nos veículos do Grupo RBS pelo trabalho de colegas que encontraram muitas das respostas para as perguntas da família na papelada guardada pelo coronel Molina Dias, assassinado no Bairro Três Figueiras, em Porto Alegre. Humberto Trezzi, José Luiz Costa e Nilson Mariano apresentaram as provas de que Rubens Paiva esteve preso no Departamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) no Rio de Janeiro, um dos mais temidos aparelhos de tortura do país.