Quase cinco meses se passaram desde o início do terceiro governo Lula e o Congresso não aprovou nada de relevante. Nem mesmo as inocentes medidas provisórias de reestruturação da máquina ou de mudança no Bolsa Família, que não comportam polêmica. Imagine-se, então, o que será na hora de votar a nova âncora fiscal ou a reforma tributária.
A derrota no caso dos decretos com os quais Lula tenta mudar a lei do marco legal do saneamento fez soar o alarme no Palácio do Planalto e produziu um diagnóstico apressado, de que o problema do governo é de articulação. Também é, mas vem precedido de outrosdois bem mais complexos.
Primeiro, a ilusão de que tudo se resolve com emendas do orçamento secreto, cargos e trocas de favores. Segundo, a soberba de achar que, por ter vencido a eleição, Lula tem apoio para mudar leis aprovadas e voltar ao passado em matérias que envolvem a privatização de estatais ou as parcerias com o setor privado.
O marco regulatório do saneamento, cujo objetivo é fazer avançar o tratamento de esgoto, negligenciado por sucessivos governos, foi aprovado na Câmara e no Senado depois de exaustivos debates. O que dá a Lula a certeza de que pode alterar a lei por decreto? Faltam conselheiros para mostrar ao presidente que seus aliados de ocasião não estão fechados com as pautas do PT.
Nesta quarta-feira (10), o jornal O Estado de S.Paulo revelou que o governo Lula decidiu pagar R$ 9 bilhões em emendas do orçamento secreto herdadas do governo de Jair Bolsonaro e declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Sem transparência, o que Lula chamava de “a excrescência da política brasileira” e o “maior esquema de corrupção da história”.
A estas alturas, o presidente já deveria ter aprendido que aliados de ocasião são insaciáveis e que a política do toma-lá-dá-cá, adotada por todos os governos em maior ou menor grau, não pode ser o esteio das relações políticas. Quanto mais ceder neste início de governo, mais terá de entregar nas votações importantes. Seria melhor parar tudo, definir o que realmente importa para o país e poupar energia para os embates que virão nos próximos meses.
Além das votações, o Planalto terá de se preocupar com as CPIs que, mesmo nascidas de requerimentos inconsistentes, têm poder para atrapalhar as votações importantes para destravar a economia.
Aliás
O governo trabalhou pela eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, mas não tem controle sobre o deputado Arthur Lira (PP-AL) bem sobre o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), principalmente nas pautas que esbarram em suas convicções ideológicas, como é o caso do marco do saneamento.