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Em condições normais de temperatura e pressão, as patacoadas do escritor Olavo de Carvalho seriam ignoradas como são as de outros lunáticos que dão palpites sobre governos, usando a linguagem vulgar dos que dependem de palavrões para se expressar. Como o autodenominado filósofo é guru dos filhos de Jair Bolsonaro e de boa parte dos adeptos do bolsonarismo, os líderes das Forças Armadas não podem ouvir sem reação o tiroteio verbal, sob pena de comprometerem a credibilidade de uma instituição que vem dando sustentação ao governo e emprestando seu prestígio para garantir um mínimo de estabilidade ao país. A resposta do general Eduardo Villas Bôas não pode ser interpretada como manifestação pessoal, eis que se trata de um ex-comandante do Exército, hoje assessor do Gabinete de Segurança Institucional, comandado pelo também quatro estrelas Augusto Heleno.
Villas Bôas, para quem não associou o nome à pessoa, é um oficial que enfrenta sérios problemas de saúde, mas segue trabalhando, mesmo em cadeira de rodas e ligado a um respirador que lhe fornece o necessário oxigênio. Tem credibilidade entre seus pares para dizer as verdades que o ex-astrólogo precisa ouvir, depois de ter ofendido das Forças Armadas em geral e os generais Hamilton Mourão e Santos Cruz em particular.
A mensagem de Villas Bôas precisa ser transcrita na íntegra para melhor compreensão do recado que o general dá a Bolsonaro:
"Mais uma vez, o sr. Olavo de Carvalho, a partir de seu vazio existencial, derrama seus ataques aos militares e às FFAA, demonstrando total falta de princípios básicos de educação, respeito, humildade e modéstia. Verdadeiro trótski de direita, não compreende que substituindo uma ideologia pela outra não contribui para a elaboração de uma base de pensamento que promova soluções concretas para os problemas brasileiros. Por outro lado, age no sentido de acentuar as divergências nacionais no momento em que a sociedade brasileira necessita recuperar a coesão e estruturar um projeto para o país. A escolha dos militares como alvo é compreensível por sua importância diante da solidez dessas instituições e a incapacidade de compreender os valores e princípios que as sustentam".
Note-se que o general escreveu tróstki com letra minúscula, provavelmente para expressar desprezo pelo ideólogo comunista que se opôs ao sanguinário Stálin e foi assassinado no México, a mando do ex-todo-poderoso comandante da União Soviética.
Olavo estava na lista dos condecorados na semana passada com a Ordem do Rio Branco, no mesmo grau do vice-presidente Hamilton Mourão e do ministro Sergio Moro, ao lado de dois dos filhos do presidente, o deputado Eduardo e o senador Flavio. Ainda que a ideia da homenagem tenha sido do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, discípulo do ideólogo da direita, Bolsonaro deu seu aval, o que aumentou o desconforto nas Forças Armadas e deve ter feito o barão da diplomacia se revirar no túmulo.
Na sexta-feira, quando vistoriou as obras da BR-116, o comandante do Exército, general Edson Pujol, mostrou-se incomodado com as perguntas dos jornalistas sobre os ataques de Olavo às Forças Armadas. Em vídeo publicado em abril, o escritor questionou, entre outros pontos, a contribuição das escolas militares para o país e disse que o regime militar (1964-1985) “destruiu os políticos de direita”.
— Não me interessa, não tenho conhecimento. Palavras que são colocadas de forma pessoal não atingem a instituição — cortou Pujol.
A nota de Villas Bôas mostra que os militares têm, sim, conhecimento dos ataques perpetrados da Virgínia pelo guru do presidente. E sugere que se Bolsonaro quer continuar com o apoio das Forças Armadas em áreas-chave do governo precisa escolher melhor a quem prestigia. Não se trata de regular as redes sociais, por sua natureza incontroláveis, mas de não dar palanque a um homem mal-educado, que se acha mais importante do que é.