Um dos primeiros textos que li hoje ao acordar foi o artigo de Miriam Leitão no jornal O Globo. Com o título "O ódio a bordo", a jornalista conta as agressões verbais que sofreu de militantes do PT em um voo da Avianca entre Brasília e Rio de Janeiro. É um relato pungente da intolerância, praticada não por jovens militantes, mas por delegados maduros do Partido dos Trabalhadores que haviam participado de um congresso em Brasília e que voltavam para o Rio.
A tática de atacar o mensageiro tem sido comum nesses tempos de exacerbação nas redes sociais e, infelizmente, passa para a vida real quando a turba ensandecida encontra pessoalmente o alvo de sua ira. Miriam é uma jornalista experiente, que conhece economia como poucos colegas. Aponta erros e acertos de todos os governos – mais erros, é verdade, porque os acertos têm sido raros. Foi crítica dos equívocos do PT, alertou para as consequências de políticas irresponsáveis e, por fazer previsões que acabaram se confirmando, passou a ser chamada de "urubóloga" pelos torcedores fanáticos. Fanáticos como esses que, no avião da Avianca, chamaram Miriam de "terrorista", a mesma qualificação usada pelos torturadores da ditadura militar, quando ela foi presa, aos 19 anos.
Miriam é uma mulher valente. Por isso, recusou a oferta dos comissários para trocar a poltrona 15C, no meio do avião, por um assento mais à frente, longe dos que a xingavam. Porque resistiu na ditadura, não obedeceu à ordem do comandante para trocar de lugar. Passou as quase duas horas de voo sendo atacada pelo que disse e pelo que não disse, pelo que escreveu e pelo que não escreveu, alvo de ignorantes que demonstraram não conhecer direito nem a história recente do Brasil.
Minha solidariedade a Miriam Leitão é a de uma colega que, por falar e escrever diariamente sobre política, conhece a virulência dos militantes de esquerda e de direita nas redes sociais. Sei o que é ser rotulada com adjetivos infames. Sei o que é, na falta de argumentos, atacarem minha família. Sei o que é ser alvo de calúnias e não procurar a Justiça para não dar vitrine aos imbecis. Sei o que é estar trabalhando e ser achincalhada pelo alto-falante do caminhão de som de uma central sindical em uma passeata de militantes vestidos de amarelo, favoráveis ao impeachment. Sei o que é estar trabalhando protegida pelo batalhão de choque da Brigada Militar, porque militantes de esquerda tentavam atacar o prédio de ZH, repleto de jornalistas. Sei o que é ver colegas repórteres ameaçados dentro de um carro por gente que não respeita a liberdade de imprensa.
Por saber como se comportam os insanos, tenho vontade de dizer apenas: um forte abraço, Miriam Leitão, pela coragem de continuar na poltrona 15C e mostrar aos brasileiros do que a intolerância é capaz.
Para quem não leu, aqui vai, aberto, o artigo de Miriam Leitão.
O ódio a bordo
Sofri um ataque de violência verbal por parte de delegados do PT dentro de um voo. Foram duas horas de gritos, xingamentos, palavras de ordem contra mim e contra a TV Globo. Não eram jovens militantes, eram homens e mulheres representantes partidários. Alguns já em seus cinquenta anos. Fui ameaçada, tive meu nome achincalhado e fui acusada de ter defendido posições que não defendo.
Sábado, 3 de junho, o voo 6237 da Avianca, das19h05, de Brasília para o Santos Dumont, estava no horário. O Congresso do PT em Brasília havia acabado naquela tarde e por isso eles estavam ainda vestidos com camisetas do encontro. Eu tinha ido a Brasília gravar o programa da Globonews.
Antes de chegar ao portão, fui comprar água e ouvi gritos do outro lado. Olhei instintivamente e vi que um grupo me dirigia ofensas. O barulho parou em seguida, e achei que embarcariam em outro voo.
Fui uma das primeiras a entrar no avião e me sentei na 15C. Logo depois eles entraram e começaram as hostilidades antes mesmo de sentarem. Por coincidência, estavam todos, talvez uns 20, em cadeiras próximas de mim. Alguns à minha frente, outros do lado, outros atrás. Alguns mais silenciosos me dirigiram olhares de ódio ou risos debochados, outros lançavam ofensas.
– Terrorista, terrorista – gritaram alguns.
Pensei na ironia. Foi “terrorista” a palavra com que fui recebida em um quartel do Exército, aos 19 anos, durante minha prisão na ditadura. Tantas décadas depois, em plena democracia, a mesma palavra era lançada contra mim.
Uma comissária, a única mulher na tripulação, veio, abaixou-se e falou:
– O comandante te convida a sentar na frente.
– Diga ao comandante que eu comprei a 15C e é aqui que eu vou ficar – respondi.
O avião já estava atrasado àquela altura. Os gritos, slogans, cantorias continuavam, diante de uma tripulação inerte, que nada fazia para restabelecer a ordem a bordo em respeito aos passageiros. Os petistas pareciam estar numa manifestação. Minutos depois, a aeromoça voltou:
– A Polícia Federal está mandando você ir para frente. Disse que se a senhora não for o avião não sai.
– Diga à Polícia Federal que enfrentei a ditadura. Não tenho medo. De nada.
Não vi ninguém da Polícia Federal. Se esteve lá, ficou na porta do avião e não andou pelo corredor, não chegou até a minha cadeira.
Durante todo o voo, os delegados do PT me ofenderam, mostrando uma visão totalmente distorcida do meu trabalho. Certamente não o acompanham. Não sou inimiga do partido, não torci pela crise, alertei que ela ocorreria pelos erros que estavam sendo cometidos. Quando os governos do PT acertaram, fiz avaliações positivas e há vários registros disso.
Durante o voo foram muitas as ofensas, e, nos momentos de maior tensão, alguns levantavam o celular esperando a reação que eu não tive. Houve um gesto de tão baixo nível que prefiro nem relatar aqui. Calculavam que eu perderia o autocontrole. Não filmei porque isso seria visto como provocação. Permaneci em silêncio. Alguns, ao andarem no corredor, empurravam minha cadeira, entre outras grosserias. Ameaçaram atacar fisicamente a emissora, mostrando desconhecimento histórico mínimo: “quando eles mataram Getúlio o povo foi lá e quebrou a Globo”, berrou um deles. Ela foi fundada onze anos depois do suicídio de Vargas.
O piloto nada disse ou fez para restabelecer a paz a bordo. Nem mesmo um pedido de silêncio pelo serviço de som. Ele é a autoridade dentro do avião, mas não a exerceu. A viagem transcorreu em clima de comício, e, em meio a refrões, pousamos no Santos Dumont. A Avianca não me deu – nem aos demais passageiros – qualquer explicação sobre sua inusitada leniência e flagrante desrespeito às regras de segurança em voo. Alguns dos delegados do PT estavam bem exaltados. Quando me levantei, um deles, no corredor, me apontou o dedo xingando em altos brados. Passei entre eles no saguão do aeroporto debaixo do coro ofensivo.
Não acho que o PT é isso, mas repito que os protagonistas desse ataque de ódio eram profissionais do partido. Lula citou, mais de uma vez, meu nome em comícios ou reuniões partidárias. Como fez nesse último fim de semana. É um erro. Não devo ser alvo do partido, nem do seu líder. Sou apenas uma jornalista e continuarei fazendo meu trabalho.