A oposição gostaria que a presidente Dilma Rousseff acatasse calada o resultado da votação do último domingo, quando a Câmara autorizou a abertura do processo de impeachment pelo Senado. Os adversários erraram o cálculo: em vez de renunciar ou de ficar cabisbaixa, esperando a morte política chegar, Dilma resolveu usar todos os meios disponíveis para denunciar o que considera um golpe encabeçado pelo vice-presidente Michel Temer. Deu entrevistas aos jornalistas brasileiros e estrangeiros e, nesta quarta, surpreendeu o país com o lance mais ousado de sua estratégia: o anúncio de que irá a Nova York para a conferência da ONU que tratará do clima.
Errou quem previu que ela não arredaria pé do Brasil para não ter de entregar o cargo a Temer. O vice, que transferiu para São Paulo o QG da montagem de seu provável governo, será presidente interino de quinta-feira até domingo.
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Não é pelo clima que Dilma vai à reunião da ONU. É pela oportunidade de repetir diante de chefes de Estado de todo o mundo o discurso que vem fazendo desde antes da derrota na Câmara. O tom da cobertura da imprensa internacional e alguns editoriais de jornais do Exterior estimulam a presidente a se apresentar como vítima de um complô do qual participam deputados investigados por corrupção. O fato de não haver contra ela denúncia de enriquecimento ilícito ou de recebimento de propina é o foco da defesa diante da opinião pública internacional.
Apesar de o ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, ter dito que é um erro gravíssimo classificar o processo de impeachment como golpe, Dilma tenta mostrar ao mundo que o processo nasceu viciado. O fato de ter sido conduzido por Eduardo Cunha, réu investigado por corrupção e por ocultar contas no Exterior, produziu forte impacto nos jornalistas estrangeiros, que destacaram a pobreza das manifestações durante a votação.
Senadores do PSDB, do PMDB e do PV criticaram a viagem, alegando que Dilma vai prejudicar a imagem externa do Brasil aos olhos dos investidores por tratar de questões internas em um foro internacional. O Solidariedade, partido comandado pelo folclórico deputado Paulinho da Força, chegou ao ponto de entrar com ação na Justiça Federal para tentar impedir a viagem.
A iniciativa, além de desprovida de base legal, é uma pirotecnia rasteira e reveladora de falta de inteligência. Dá à presidente mais um elemento para mostrar que a oposição atropela o elementar bom senso.
Mesmo que o governo esteja paralisado, até o julgamento da admissibilidade do impeachment pelo plenário do Senado, Dilma é presidente de fato e de direito. Pode viajar para onde quiser e participar das reuniões institucionais que julgar convenientes.
Dizer em Nova York que está sendo vítima de um golpe não acrescenta um voto sequer para Dilma no Senado. Sabendo que seu destino já está traçado, o que ela quer é sair com a imagem de vítima de um golpe parlamentar.