
Vladimir Putin não é confiável. Mas Donald Trump também não o é.
Essa desconfiança mútua joga dúvidas sobre a efetividade (e eu diria até seriedade) do que está sendo chamado de plano de cessar-fogo na guerra entre Rússia e Ucrânia.
O pouco que se sabe sobre os termos de um possível acerto — proposto pelos EUA, chancelado pela Ucrânia e que estaria a apenas um "ok" da Rússia — é sintoma dessa instabilidade.
Primeiro porque Trump é assim, intempestivo: costuma anunciar decisões (como de tarifas) e depois recuar. Ou reivindica acordos históricos, como entre as Coreias, no primeiro mandato, e nada muda de fato.
Segundo porque Putin mente. Dias antes da invasão russa da Ucrânia, quando o Kremlin acumulava tropas na fronteira entre os dois países, Putin dizia publicamente que não deflagraria a guerra — aliás, "guerra", foi um termo que ele mesmo nunca usou para se referir ao massacre que ocorre, há três anos, na Ucrânia — é "operação militar especial", seu eufemismo favorito.
Terceiro porque, como diz o ditado, é fácil começar uma guerra. O difícil é terminá-la. Nunca é simples. Mas, no caso do Leste Europeu, é muito complexo, porque envolve a Ucrânia ceder territórios ocupados nesse conflito (o Donbass) e de conflagrações passadas (a Crimeia), de 2014. É ainda mais difícil porque, de alguma forma, não depende apenas de Rússia e Ucrânia, mas dos europeus, uma vez que seu próprio sistema de segurança está em xeque.
Mais: Trump pode nem ter um plano concreto, haja vista que nada foi anunciado até agora. Tudo pode não passar de uma cortina de fumaça para ofuscar sua obsessão pela China. Ou mesmo com o objetivo simples de provocar a sensação de que ele é um "pacificador", com direito a láurea antecipada do Nobel.
O alegado ceticismo da Rússia também faz sentido: tudo é nebuloso. E qualquer cessar-fogo ou esboço de acordo traz na memória um fato do passado, que, em parte, explica (mas não justifica) o contexto da tensão entre Rússia e Ucrânia que acabou descambando para o confronto.
Foi há mais de 30 anos. Nos meses seguintes à queda do Muro de Berlim, o então líder soviético Mikhail Gorbachev e James Baker, então secretário de Estado do presidente americano, George H. W. Bush, teriam selado um compromisso de que a Otan nunca se expandiria para o Leste Europeu.
A aliança atlântica não respeitou esse acordo, que, na verdade, nunca se sabe, de fato, se existiu. Avançou em direção às fronterias russas e integrou, inclusive, não apenas antigos membros do bloco soviético como ex-Repúblicas. Se angariasse a Ucrânia, estaria às portas da Rússia. Essa traição — real ou imaginária — nunca foi perdoada pelos russos - em especial, por Putin.
Na proposta agora em discussão, não há, até onde se sabe, garantias formais de segurança — nem para a Ucrânia nem para Rússia. Entre todos os fatores, superar essa memória é o que torna qualquer esboço de cessar-fogo muito frágil.