
Poucos brasileiros conhecem tão bem a história dos campos de concentração nazistas quanto o jornalista e escritor Salus Loch, coordenador da Casa da Memória Unimed Federação/RS.
No próximo dia 9 de abril, ele fará palestra e lança o e-book "Liberação: Holocausto, 80 anos". Autor de "A Tenda Branca, que relata a história de uma sobrevivente do horror nazista", o autor, agora, lembra os 80 anos da liberação de vários campos de concentração.
O encontro reunirá líderes e especialistas no tema, entre os quais Carlos Reiss, coordenador-geral do Museu do Holocausto de Curitiba, Daniela Russowsky Raad, presidente da Federação Israelita do RS, Nilton Wainer, presidente do Instituto Cultural Marc Chagall, e Nilson Luiz May, presidente da Unimed Federação/RS.
O evento ocorre na própria Casa da Memória (Rua Santa Terezinha, 263, em Porto Alegre). Interessados devem fazer confirmar presença pelo email memoria@unimedrs.coop.br ou pelo telefone 51-995961029
Salus conversou com a coluna sobre o novo projeto.
Como nasceu o interesse por estudar o Holocausto?
Visitei pela primeira vez Auschwitz em 2015, quando pela revista Superinteressante eu tinha a atribuição de conhecer o campo, fazer uma matéria e encontrar uma sobrevivente. Fiz o que tinha que fazer. A partir dali, não larguei mais. Fui pesquisando, estudando e me interessando cada vez mais pelo tema. Em 2015, em razão da revista, a neta de uma sobrevivente que mora aqui no Brasil leu a reportagem na Super e me procurou, sugerindo uma entrevista com sua avó, sobrevivente de Auschwitz. Nasceu o livro "A Tenda Branca". Criei uma identidade muito grande com, Guitta Wein, que, infelizmente, faleceu há dois anos. Não sou judeu, mas eu entendi que eu precisava contar essa história. Fui três vezes a Auschwitz, sendo a segunda em 2020, quando fui o único jornalista brasileiro credenciado para cobrir o evento de 75 anos da liberação. E voltei agora, em 2025, também como o único jornalista brasileiro credenciado do país para cobrir os 80 anos. Nesse meio tempo, já conversei com mais de 20 sobreviventes do local apenas para ouvir suas histórias. Realizo palestras em escolas, universidades, tentando, a partir do que foi o Holocausto, passar essa lição de que ninguém é melhor do que ninguém.
E a ideia do e-book que agora será lançado?
Estão sendo completados 80 anos da liberação da maioria dos campos. Aproveitando a data, decidimos, em parceria com o Museu do Holocausto e a Casa da Memória, e a ISPO Pesquisa e Comunicação, nasceu o projeto "Liberação", narrando como foi a libertação dos campos, de Auschwitz-Birkenau, Plaszow, Mauthausen, Terezin e Dachau. Ia lá, gravava, filmava, tudo. E o Museu do Holocausto editava dois minutinhos de vídeo e rodava nas redes sociais, contando o que funcionava no campo, como foi liberado, e, ao final, passava a mensagem, para que não se repita. Esse é o escopo do projeto que está no e-book. Nasceu das reportagens geradas a partir das visitas a esses campos. Além dos cinco, eu acabei indo a Lidice, na antiga Tchecoslováquia. É uma cidade a 20 quilômetros de Praga, que foi totalmente dizimada pelos nazistas.
Depois de tantas visitas a campos de concentração, o que ainda te marca?
O primeiro ponto, que une todos, é a perspectiva da supremacia racial. A ideia dos nazistas de que eles eram poderosos, e aqueles que não eram alemães puros seriam considerados sub-humanos, e, por isso, não mereceriam sequer viver. Os campos de extermínio foram feitos para matar gente, campos de concentração eram para segregar aqueles que eram oposição, seja política ou racial. Essa lembrança do Holocausto é mais do que uma homenagem às vítimas. É um aviso sobre os horrores que nascem do ódio, da intolerância, da discriminação em um contexto no qual, hoje, se vê um mundo polarizado e alguns governantes entendendo que o país é só para os seus, tentando extirpar outros que não coadunam com suas ideias. Vemos o antissemitismo crescendo, especialmente a partir do ataque do Hamas e da resposta de Israel. Então temos um contexto global para o qual esse passado tem muito a ensinar. Mas temo que não estejamos entendendo o que aconteceu, porque, daqui a pouco, pode acontecer de novo.
Estamos perdendo essa memória?
Alguns grupos fazem questão de deletá-la, inclusive. É um negacionismo pensado. Mas, quanto mais distante do fato, mais difícil de que ele esteja presente, especialmente em relação ao Holocausto, porque os sobreviventes, daqui a 10 anos, não estarão mais vivos. Então, essa tarefa compete a nós, inclusive jornalistas, educadores, de que manter a memória viva. O Projeto Liberação é um meio valioso de conscientização, integrando a memória, a história e o compromisso com a Justiça para o presente e para o futuro.
Como foi a recordação dos 80 anos de libertação de Auschwitz?
Estava o Emmanuel Macron (presidente da França), o Volodimir Zelensky (da Ucrânia). Mas só falaram sobreviventes, o presidente do Congresso Judaico Mundial e o diretor do museu de Auschwitz. Todos eles concordam com uma linha: o silêncio permitiu que Auschwitz acontecesse. Vamos continuar quietos diante do que está acontecendo hoje? É isso que move que a gente a continuar: alertar, observar, tentar educar. Não sou dono da razão, mas, pelo que a gente estuda, vive e vai atrás, compartilhar essas informações é nosso dever.
O que, em geral, os sobreviventes contam? Há algo em comum?
A conversa é marcada, em regra, por muita dor, mas nem todos conseguiram ou conseguem falar. Aqueles que conseguem é porque entendem que têm de passar essa mensagem adiante. Por exemplo, a Guitta Wein, do livro "A Tenda Branca", até então, nunca havia falado sobre sua história. E ela entendeu que era a hora. Só que, à época dos campos, ela tinha de 13 para 14. Eu fui entrevistá-la quando ela estava com quase 90. Porque dói, não é todo mundo que se resolve para passar. Mas eu acho que a família teve um papel, dizendo: "Vamos falar, vamos contar essa história". A história dela é incrível. Entrevistar um sobrevivente é tornar-se um sobrevivente, você mesmo, só que, mesmo assim, ninguém consegue transpor a dor e aquilo pelo qual passaram.
Como sensibilizar as novas gerações sobre o que ocorreu?
Pela experiência que eu tenho nas escolas, no oitavo, nono ano, do Ensino Médio, eles têm muito interesse. Quando chega lá, a gurizada fica atenta, faz perguntas, é muito legal. Só que chegar lá é um desafio de centros, como o Museu do Holocausto de Curitiba. O que esse pessoal tem feito? Usam as redes sociais de uma forma adequada. O Museu do Holocausto vai pelo TikTok, vai pelo Instagram. É se comunicar pelo meio que esse jovem consome. Então, isso tem sido feito aqui no Brasil pelo Museu do Holocausto e em outros centros pelo mundo. É fazer chegar em uma linguagem que o jovem compreenda.