Em parte do trajeto para o front não há Waze. Ironicamente, o app criado em Israel para facilitar a mobilidade, em seu próprio país, está bloqueado nas áreas de guerra. Trata-se de uma opção tática para evitar que a tecnologia de geolocalização seja utilizada pelos terroristas do Hezbollah para encontrar alvos do lado de cá.
Estamos no chamado Dedo da Galileia, uma porção de terra com potencial para provocar até a Terceira Guerra Mundial. Separados por poucos quilômetros montanhosos, estão a Síria do ditador Bashar al-Assad, o Líbano dos extremistas do Hezbollah, as disputadas Colinas de Golã e Israel em sua guerra de existência. Fica difícil identificar de onde vem os sons de explosões — até os ouvidos treinados do guia Tamir Gross, que nos conduziu pelo front, não conseguem, por vezes, definir se os disparos caíram de um lado ou de outro. Tudo é muito perto.
A fronteira libanesa, por exemplo, está a 500 metros. Em segurança, dentro de uma casamata e com o carro protegido atrás de um muro de concreto de quase quatro metros, é possível avistar, a olho nu, as casas em branco do outro lado da fronteira. Mas, assim como qualquer um vê as cidades libanesas, certamente, de lá, o Hezbollah também enxerga quem está por aqui. Por isso, a incursão é rápida. Não se pode dar sorte ao azar.
Circulamos por uma franja de entre dois e quatro quilômetros da fronteira convertida em zona militar fechada. Vilarejos e cidades fantasmas. Kiryat Shmona, por exemplo, tem cerca de 20 mil habitantes. Nos dias atuais, circula-se por vários minutos até encontrar: era um militar. Não há civis. A maioria fugiu para áras mais seguras, no centro e no sul do país.
Foi o caso dos pais de Tamir, Afik e Amira, que saíra, no dia 23 de outubro, 16 dias depois do massacre do Hamas. Buscaram abrigo em um hotel em Tiberíades. Tamir nos leva até a casa deles, em Beit Hillel. É como se o tempo tivesse parado naquele dia 23 em que deixaram a residência: a cama está desarrumada, o trator antigo, xodó de Afik, foi deixado ao relento. No bunker subterrâneo, há ainda água e comida reservada para aqueles dias. Do segundo andar da casa é possível avistar uma vila libanesa encravada na montanha. O terraço traz recordações a Tamir.
— Muitas festas fizemos aqui. E voltaremos a fazer — diz.
Pergunto por que, enquanto tantos deixaram o norte de Israel, ele ficou. Tamir sorri, silencia, puxa o ar em um longo suspiro, e só então responde:
— É a minha casa. Eu acho que a única forma de entender isso é você pensar na sua casa: seja em Porto Alegre ou em São Paulo. É sua casa. E é o único lugar onde eu me sinto em casa.
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